sexta-feira, 5 de abril de 2013

'Queremos acabar com a dor de envelhecer'


Há alguns anos, Hugo Aguilaniu, geneticista da École Normale Supérieure de Lyon, na França, se deu conta de que seu trabalho ia além das pesquisas genéticas sobre o envelhecimento. Que não bastava avançar nos estudos para aumentar a longevidade sem encarar outra importante missão: a cura dos idosos. "Essa é a prioridade e a urgência de hoje", diz. "A pesquisa não está mais focada em estender a vida. Nosso objetivo, agora, é o de melhorar a qualidade do envelhecimento", relata o cientista.

Integrante do Programa Cátedras Francesas do Estado de São Paulo, ele passou duas semanas no Brasil para ministrar um curso sobre genética do envelhecimento na pós-graduação da USP [...]

[...] O mundo terá um bilhão de idosos dentro de dez anos. O dado, de estudo divulgado pela ONU no ano passado, é um alerta para todas as nações: é preciso correr contra o tempo e adotar medidas que assegurem, desde já, o bem-estar da população - que fica mais velha a cada dia. Segundo a organização, uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, o equivalente a 11,5% da população mundial.

No Brasil, já são 23,5 milhões de idosos (12% da população) - de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011. E a cada mostra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é comprovada a tendência de envelhecimento do País.[..] Mas o problema é que, infelizmente, "envelhecer ainda dói", diz Aguilaniu. Hoje, segundo ele, as pesquisas mostram que os idosos sofrem, em média, 15 anos por causa das chamadas doenças associadas ao envelhecimento. "Queremos acabar com esse longo período ruim pelo qual passamos na velhice."

Confira, a seguir, os melhores trechos da conversa.

O Brasil já está velho?

Hugo Aguilaniu - E cada vez mais rápido. Na França, ganhamos seis horas de expectativa de vida por dia. Um bebê que nasce hoje terá uma expectativa de vida seis horas superior ao bebê que nasceu ontem. No Brasil, essa velocidade é ainda maior, de nove horas por dia. São quatro meses e meio por ano. Isso mostra que o problema do envelhecimento da população é muito importante. A população da França já está velha. Aqui no Brasil, o problema é maior, porque a população ainda é jovem, mas vem envelhecendo muito rápido. E tem um outro fator essencial: a queda da taxa de fecundidade.

Qual é a maior dificuldade do Brasil em relação ao envelhecimento?

Hugo Aguilaniu - Este é o debate político que tem de acontecer imediatamente. São muitos os idosos que precisam de ajuda. Na França, que convive com o envelhecimento da população há um tempo, já é difícil, já não se dá conta do recado. A velhice tem um custo muito alto. Quem cuida dos idosos cobra um valor extremamente elevado. E há também os custos com hospital, medicamentos. É um impacto enorme sobre a sociedade e seu crescimento econômico.

Na sua opinião, qual é o papel do poder público?

Hugo Aguilaniu - [...] É preciso reorganizar a sociedade. E fazer com que as pessoas percebam que elas não farão o mesmo trabalho a vida toda. Passaremos a ter o trabalho para os jovens e o trabalho para os mais velhos. As empresas terão de se reorganizar. Será uma mudança global.

E o limite da ética? Até quando é possível estender a vida?

Hugo Aguilaniu - Biologicamente, acredito que ninguém possa responder a essa pergunta. Trabalho com um verme - o Caenorhabditis elegans - que tem longevidade normal de 19 dias. Mas hoje, em nosso laboratório, temos animais de quase 1 ano de idade. Se fizermos a transição para o ser humano, são 800 anos. Mas claro que não é tão simples assim. Não dá para saber se há um limite biológico, mas o ético, com certeza, existe. As pessoas querem viver muito. Todos têm a fantasia da imortalidade, de encontrar a fonte da juventude, mas é preciso pensar como sociedade, não individualmente. Imagine se todos nos tornássemos imortais? É um pensamento que pode parecer filosófico, mas é biológico também.

Será possível aumentar o tempo de reprodução da mulher?

Hugo Aguilaniu - Há pesquisas intensas nesse campo. Até agora, conseguimos aumentar a longevidade, mas o período de reprodução da mulher continuou o mesmo. Isso cria uma desigualdade a mais entre o homem e a mulher. E nós, geneticistas, costumamos dizer que, a partir do momento em que o ser humano não pode mais se reproduzir, ele está morto geneticamente.

As pesquisas já descobriram os genes para não se ter mais cabelo branco? Ou rugas?

Hugo Aguilaniu - Estamos olhando para aspectos fisiológicos, não estéticos. Mas é lógico que acabam aparecendo. Quando mexemos nos genes da longevidade, descobrimos que ficamos com um aspecto mais jovem também - mesmo que, para nós, pesquisadores, não seja um ponto fundamental.

É capaz de responder quanto tempo mais a gente vai viver?

Hugo Aguilaniu - Qualquer pessoa que garanta saber a resposta está mentindo. Não dá para saber. Muitos pesquisadores dizem que, se conseguirmos reparar todas as coisas que "quebram" - como em um carro -, não haveria limite, alcançaríamos a imortalidade. Não faço parte dessa linha de pensamento. O que acho possível é uma expectativa de vida de 120, 125 anos. Mas é mera especulação.

E você quer viver quanto?

Hugo Aguilaniu - Quero viver hoje e só. O amanhã é o amanhã. Minha filosofia é viver cada dia como se fosse o último.

Edição: João Bosco


Fonte: Jornal Estado de São Paulo / Thais Arbex / Denise Andrade

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