Cirurgias
que corrigem a posição de dentes e ossos faciais, chamadas buco-maxilo-faciais
ou ortognáticas, têm sido alvo de polêmica tanto por indicações desnecessárias
quanto pelo preço, que chega a R$ 700 mil.
A
pedido de planos de saúde, o Hospital Albert Einstein criou um programa que
oferece segunda opinião sobre o procedimento.
Os
primeiros resultados impressionam: de 34 casos analisados, só 29% tinham
indicação cirúrgica.
Mandíbula
Normalmente,
a cirurgia corrige ao mesmo tempo a estética (quando o queixo é muito para
frente) e função (mastigação, por exemplo).
Nos últimos anos, porém, vem
crescendo a indicação cirúrgica para a apneia do sono –a interrupção da
respiração por um período superior a dez segundos.
São
esses os casos mais controversos e que têm sido avaliados pelo Einstein.
Uma
diretriz norte-americana, por exemplo, mostra que a cirurgia buco-maxilo-facial só deve ser feita quando a apneia for
severa e o paciente não aderiu ao CPAP, uma pequena máquina –semelhante a um
compressor de ar– que fornece fluxo de ar de forma contínua.
Outra
revisão da Cochrane (rede de cientistas que avalia a efetividade de tratamentos)
diz que falta evidência sobre uma maior efetividade ou não da cirurgia
ortognática para apneia do sono. O artigo chama atenção para a alta taxa de
complicações, de 22%.
Entre
elas, infecções e necessidade de reoperação.
Foi
o que aconteceu com a administradora Fabiana, 50. Entre 2009 e 2011, ela fez
três cirurgias ortognáticas para corrigir a arcada dentária e melhorar a apneia
do sono. Mas elas não funcionaram.
"Meus
dentes continuam tortos, o ronco piorou, tenho dores no maxilar e fiquei sem sensibilidade
em algumas partes do rosto", conta.
Segundo
Miguel Cendoroglo Neto, diretor do Einstein, além das complicações, a cirurgia,
quando mal indicada, não livra a pessoa do ronco.
"[A
cirurgia] não é 100% eficaz. Frequentemente o paciente continua roncando e
precisando do CPAP", diz ele.
Mario
Ferretti, professor de ortopedia e traumatologia da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo) e que coordena o programa do Einstein, explica que não
adianta fazer a cirurgia se o paciente continuar com os problemas que
interferem na respiração.
"Paciente
obeso ou que usa muito sedativo para dormir ou que ingere muito álcool vai
continuar roncando mesmo depois da cirurgia."
Claudio
Miyake, presidente do Crosp (Conselho Regional de Odontologia do Estado de São
Paulo), defende, nos casos de apneia, uma atuação multidisciplinar.
"Só
o cirurgião buco-maxilo-facial pode não resolver. Mas há muitos trabalhos
mostrando que ampliação do formato das arcadas dentárias libera as vias aéreas
e resolve casos de apneia."
Preços
Outra
polêmica envolvendo as cirurgias buco-maxilo-faciais é o preço, que ultrapassa
R$ 150 mil só com material (pinos e placas de titânio). Assim como outros
procedimentos que envolvem a colocação próteses (cirurgias de coluna e de
quadril, por exemplo), elas são alvo de uma investigação dos ministérios da
Saúde e da Justiça.
Segundo
Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo),
há casos extremos em que o orçamento de uma cirurgia ortognática ficou em R$
700 mil. "Quem fornecia a prótese era o pai do cirurgião [que indicou a
cirurgia]", conta. Ele não quis dar mais informações porque o caso está
sob investigação policial.
No site do Tribunal de Justiça
do Estado, a Folha encontrou 1.497 processos de pacientes que tiveram cirurgia
negada pelos convênios.
Na
maioria dos casos, a decisão é favorável ao paciente.
Para
evitar brigas judiciais, uma câmara técnica do Crosp tem servido de árbitro
entre cirurgiões dentistas (que fazem cirurgias ortognáticas) e os planos de
saúde.
Segundo
Claudio Miyake, só no segundo semestre de 2014 foram mais de 50 pedidos de
arbitragem. A maioria sobre o material a ser usado –o cirurgião, em geral, quer
materiais mais caros. Miyake afirma que, além da evidência científica, a câmara
leva em conta a conduta ética de profissionais e operadoras.
Grifo nosso
Fonte: Folhaonline / Cláudia
Collucci
Imagem: Folhapress /
Hospital Albert Einstein / CROSP
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