César Fernandes, 64, que assume em janeiro a presidência Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia, diz não ter simpatia alguma pelo parto
domiciliar.
"Em
dois minutos você pode perder um bebê", afirma o professor titular da Faculdade de Medicina do ABC.
Com 40 anos de profissão,
ele critica doulas –acompanhantes de parto– que tentam intervir na atividade
dos médicos. "A doula tem de se restringir ao seu papel. 'Doutor, mas você
vai ligar o soro agora?' Quem é ela para isso?"
Na
entrevista abaixo, ele trata ainda do alto número de cesáreas no país e dos
relatos de violência obstétrica.
Folha - O que o senhor pensa
do parto domiciliar?
César Fernandes - O parto pode sem um evento
perfeitamente tranquilo. A gente pode ficar só assistindo. Mas quando eu sei
que o parto foi assim? Só quando acaba. Por isso não tenho nenhuma simpatia
pelo parto domiciliar.Você pode ter espaço nas maternidades para partos de
baixa complexidade, feitos inclusive pelas enfermeiras, mas com o médico
supervisionando. Porque em dois minutos você pode perder um bebê. Exemplo: o
prolapso do cordão umbilical. A cabeça do neném comprime o cordão. Falta sangue
e ele morre rapidamente. Acontece sempre? Não. Mas e se for com você?
Não há aí uma questão maior,
o atrito entre as profissões da saúde? Quer dizer, certo espírito de "lá
vem o médico arrogante dando ordem"...
Eu
vejo que tudo tem uma hierarquia. Em uma orquestra, o cara que toca bumbo é
fundamental. Mas há um maestro –embora também o maestro tenha fama de arrogante
Não existe no Brasil um
excesso de funções atribuídas aos médicos, até por corporativismo? Veja
o Ato Médico
Sim,
talvez a gente tenha cometido esses erros históricos. Sem dúvida você precisa
aproveitar o médico em atividades mais complexas.
E quanto às doulas?
A
doula é nova para nós. Quem é? É profissão? Não. Ela não precisa ter nenhum
conhecimento, saber diâmetros de uma bacia, ritmo de contração, efeitos das
medicações.A doula é acompanhante. Deve dar suporte emocional. Então ela pode
pegar na mão, acalmar. "Doutor, posso passar um óleo na barriga
dela?" Claro. Fazer massagem no pé, cantar musiquinha no ouvido Sem dúvida
que pode.Mas ela tem de se restringir ao seu papel. "Doutor, mas você vai
ligar o soro agora?" Quem é ela para isso? É como o engenheiro falar para
o pedreiro fazer a parede aqui e ouvir que não, vamos fazer ali.
Mas quão frequente é isso?
Há
muitos relatos de mal estar entre doulas e obstetras. Não haveria se cada um se
limitasse a sua função. O médico também não vai fazer massagem, cantar. Mas há
doulas que não conhecem seu papel.A doula, se estiver integrada, é ótima, nada
contra, embora eu pense que o acompanhante ideal é o marido.
Uma acusação comum é que os
médicos ficam querendo empurrar a cesária, insistindo até o último momento. E
me parece inegável que, para o médico, é mais confortável.
É
uma grande decepção para mim pensar que a paciente está pedindo parto normal,
mas o médico está desrespeitando. Sempre vejo tais relatos: abandonei o médico
porque ele queria a todo custo que eu fizesse cesárea. Com certeza há médicos
assim. Até porque, como você falou, é mais fácil para ele. Mas não creio que
seja a regra.
Qual o papel dos médicos no
alto número de cesáreas?
Temos
um percentual inaceitável de cesáreas no país. Uma primeira análise culpa o
obstetra, e ele é demonizado. Mas veja as maternidades. Viraram casas de
cesáreas. Não se acha mais vaga. Liga no Einstein agora. Se não estiver
agendado, não há vaga. Além disso, as pacientes foram entendendo que cesárea é
algo social, que ela avisa todo mundo. Por fim, o parto deve ser de
responsabilidade dos plantonistas no hospital. O médico faz o pré-natal e, ao
fim, entrega um bom relatório. Se a mulher quiser escolher o médico, isso está
fora do plano de saúde, embora não exista necessidade. Na Inglaterra, a
princesa deu à luz no hospital e o médico era o que estava de plantão.
Os próprios médicos
incentivam essa comportamento.
Sim,
quanto mais partos, mais ele ganha. Tem a ver também com a origem privada da
saúde brasileira. Quando comecei, não havia planos. A mulher perguntava:
doutor, quanto você cobra pelo parto? O valor era bom e estava subentendido que
incluía consultas, ligações de madrugada. Os convênios se popularizaram, o
valor do parto caiu muito, mas a cultura se manteve.
Outra reclamação frequente é
quanto à violência obstétrica.
A
violência obstétrica existe, mas não podemos aceitar.
Eu
já ouvi vários relatos de pacientes que escutaram coisas como "na hora de
fazer não achou ruim". É absolutamente recriminável.Tanto agressões
verbais quanto atos médicos desnecessários. Em algumas situações o médico tem
de tomar decisões. Mas é condenável que o parto esteja ocorrendo bem e ele, por
estar cansado, pense "vou fazer uma cesárea porque quero ir embora".
Essa minoria deve ser denunciada ao conselho de medicina.
Mas os relatos não acabam
justamente afastando as pacientes dos médicos e as aproximando de pessoas como
as doulas?
Você
está falando uma coisa absolutamente verdadeira. Acaba criando a ideia de que o
médico é o bandido, enquanto a doula é uma guardiã, que vai protegê-la desse
bandido que o é o obstetra. Não é assim que tem de ser.
Para terminar, queria ouvir
o senhor sobre o aborto.
Eu,
pessoalmente, tenho muita dificuldade para aceitar. Há paciente que diz que não
gostaria de levar adiante a gravidez. O que você fala? Se ela insistir, só há a
clandestinidade. Tem coisas com razoável nível de segurança e tem barbaridades.
A gente sabe onde tem as clínicas; todo mundo sabe, inclusive a polícia. Sou
respeitoso com as pacientes, mas creio que não cabe ao médico encaminhar.
Há muito arrependimento?
Há
mulheres que passam por isso e depois nunca mais conseguem ter filho. E há
mulheres que fazem três, quarto abortos... É complicado.
OBS: Leia mais sobre doulas
no post de 16/01/2014
Grifo nosso
Fonte: folhauol.com.br
Imagem: Reprodução
Curta e compartilhe no Facebook