Embora tenha aplicado quase R$ 1,3 bilhão em multas
às operadoras de saúde em 2016, a ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar), responsável pela regulação do setor, recebeu somente R$ 172 milhões -13%.
O cenário é semelhante no acumulado de cinco anos, quando a
arrecadação se limitou a 19% -R$ 493 milhões dos R$ 2,6 bilhões cobrados.
Ao mesmo tempo, crescem
os valores aplicados em multas por irregularidades cometidas pelos planos. Em
2016, a quantia mais que dobrou em relação ao ano anterior.
Neste ano, até outubro,
dados obtidos pela Folha apontam a aplicação de 12.078 multas, num total de R$
1,1 bilhão, indicando a possibilidade de novo recorde.
Questionada, a ANS
atribui esse aumento a uma força-tarefa para redução do passivo de processos no
setor. Mas especialistas questionam a baixa punição.
"O modelo atual
ainda é permissivo", afirma Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde
do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). "Se não investe na
arrecadação, acaba batendo com luva de pelica."
Na última semana,
parecer apresentado à comissão do Congresso que analisa mudanças na lei dos
planos gerou polêmica ao propor redução no valor das multas. Hoje, variam de R$
5.000 e R$ 1 milhão, a depender da infração. Nos casos de negativa de cobertura
prevista em lei, o valor é fixado em R$ 80 mil.
A proposta do deputado
Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da matéria, prevê que, nos casos de negativa
"injustificada" de atendimento, a multa não ultrapasse dez vezes o
valor do procedimento. Se uma consulta custa R$ 80, a multa seria de até R$
800.
A medida deve afetar de
forma expressiva o valor das sanções aplicadas.
Sete
em cada dez multas são por problemas de cobertura.
Marinho diz que a
proposta segue os princípios de "razoabilidade e proporcionalidade" e
visa impedir que o valor aplicado em multas seja repassado aos consumidores.
"As multas têm por
objetivo punir as operadoras que descumprem a lei e os regulamentos, no
entanto, não podem sacrificar a própria existência da operadora." "A
atual normativa permite que a negativa indevida de atendimento que custa R$ 40
gere uma multa de astronômicos R$ 80 mil, fato recorrente no dia a dia do
setor."
Mesma posição tem
representantes de operadoras dos planos de saúde, que contestam o valor das
multas.
O
faturamento do setor em 2016 foi de R$ 161,4 bilhões.
IMPACTO
Leandro Farias, do
Movimento Chega de Descaso, que representa usuários de planos de saúde, também
defende que os valores sejam alterados -mas para cima.
"Quanto vale uma
vida? Em certos momentos de negativa de cobertura, dependendo da gravidade, isso
pode gerar um óbito", afirma.
Navarrete concorda. "A multa tem que ter proporção com a
infração, mas não com o valor do procedimento negado. Negar cobertura tem
impacto maior do que isso."
Para a pesquisadora, a
proposta deixa de corrigir as causas do problema e facilita descumprir as
regras. "É como se comprasse o direito de poder infringir a
regulação", diz. "Essa proposta traz uma redução no poder punitivo da
ANS, que já é ineficaz hoje. E isso acaba sobrecarregando o Judiciário",
afirma o advogado e especialista em direito à saúde Rafael Robba.
Fora do Congresso, o
debate sobre a revisão dos valores das multas já atinge a ANS, que, em agosto,
abriu consulta pública sobre o tema, na qual propõe alterar o valor fixo de R$
80 mil para variável de R$ 20 mil a R$ 160 mil, conforme o procedimento. A medida
também recebeu críticas.
A
ANS diz que a necessidade de revisão foi "ponto pacífico" entre
entidades nos debates anteriores à proposta.
"A partir dessas
discussões, pensou-se em um escalonamento de valores que, ao mesmo tempo,
pudesse mitigar a desproporcionalidade, contemplasse uma maior razoabilidade e
mantivesse o caráter educador da sanção, para desincentivar novas práticas
infracionais", informa.
A agência afirma que
avalia as contribuições recebidas sobre o tema. Em relação à cobrança das
multas, ela informa adotar nos processos todas as medidas legais disponíveis e
que a adesão ao pagamento "vem aumentando nos últimos anos".
"Contudo, a
decisão pelo pagamento em esfera administrativa é decisão da empresa, sendo um
fator que independe da ação da ANS." Os casos não cobrados são inscritos
na dívida ativa e encaminhados para cobrança judicial. A ANS não informou o valor
total da dívida.
CIRURGIA
Casos
que envolvem negativa ou restrição de cobertura, concentram hoje 63% das
reclamações recebidas pela ANS.
No ano passado, foram
registradas 90 mil reclamações.
[...] Em geral, cada
reclamação gera uma notificação à operadora e um processo. Se não houver
resposta, a agência pode aplicar a multa.
O prazo entre apuração
e decisão leva em torno de 255 dias.
Boa
parte dos usuários, no entanto, desconhece a possibilidade de recorrer à ANS ou
deixa de acompanhar os processos, afirma Leandro Farias, do movimento Chega de
Descaso.
Nesse caso,
especialistas apontam dois destinos mais comuns.
O primeiro, o SUS
-desde 2001, já foram notificados mais de 3 milhões de atendimentos de usuários
de planos de saúde na rede pública. O outro, a Justiça.
"Quando fala de
urgência e emergência, o usuário dificilmente procura a agência, mas o
Judiciário", diz Ana Carolina Navarrete, do Idec.
Um balanço de ações no
Tribunal de Justiça de São Paulo contra planos de saúde mostra crescimento de
768% desde 2011 no volume em primeira instância. Em segunda instância, o aumento
foi de 157%.
Os dados são do
Observatório de Judicialização da Saúde Suplementar, do Departamento de
Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Casos de negativa ou
exclusão de cobertura são quase metade das ações.
"A judicialização
cresce ano a ano", diz o advogado Rafael Robba, para quem o problema, que
repercute em todo o setor, se agrava diante da falta de punição. "As
ferramentas para combater as abusividades são insuficientes."
OUTRO
LADO
Representantes das
operadoras de planos de saúde atribuem o baixo pagamento de multas a
questionamentos sobre o valor e à falta de recursos do setor.
"Se fizer essa
estatística em todos os outros órgãos de fiscalização, vai encontrar números
parecidos", afirma Solange Mendes, presidente da FenaSaúde, associação que
representa as principais empresas.
"É porque há
contestação. É um direito legítimo", diz ela, para quem tem ficado
"mais frequente" a ida ao Judiciário contras as multas.
Também representante
das operadoras, a Abramge contesta o valor cobrado e diz que parte do não
pagamento ocorre diante da falta de recursos do setor.
"Por vezes, a soma
das autuações supera o resultado econômico dos planos de saúde, tornando tal
pagamento impraticável", diz.Em nota, a associação defende ainda
"rever com urgência as regras que definem a dosimetria das multas,
equilibrando as penalidades aplicadas com a realidade financeira do
setor".
Mesma posição tem
Mendes, da FenaSaúde. "Negar cobertura de emergência é diferente de
descumprir um prazo de atendimento. A própria agência busca corrigir
isso", diz ela, que admite que o valor das multas sai "da conta do
consumidor".
"Por isso não é
desejável impor multas altíssimas."
Para ela, a proposta
apresentada na Câmara dos Deputados para reduzir o valor das multas é positiva.
"Ela é menor e mais moderada do que a atual, mas é inibidora sim, porque
tem agravantes e aplicação coletiva."
Segundo Mendes, parte
das queixas em relação à negativa de atendimento, tema que responde por 76% das
multas hoje aplicadas, ocorre devido ao prazo para que a operadora possa verificar
a necessidade do serviço.
"Temos que tentar
frear o nível do desperdício", afirma. "Se recebo um pedido de
cirurgia ortopédica, onde o médico informa que vai usar 'x' materiais, a
operadora tem um padrão para isso. E para verificar precisa de tempo",
completa.
Para Mendes, o total de
reclamações e de multas é baixo diante do tamanho do setor -com cerca de 47
milhões de usuários. "O setor entrega o que vende. Não vou qualificar se
bem ou mal. Mas entrega."
Grifo nosso
Fonte: folhaonline
Imagem:
varelanoticias.com.br
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Cancian
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