O Supremo Tribunal
Federal (STF) irá decidir se o exercício da liberdade religiosa pode justificar
o custeio de tratamento de saúde pelo Estado.
A questão será
analisada no Recurso Extraordinário (RE) 979742, que teve *repercussão geral
reconhecida pelo Plenário Virtual.
O recurso foi
interposto pela União contra acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial
Federal do Amazonas e Roraima, que a condenou, juntamente com o Estado do
Amazonas e o Município de Manaus, a custear um procedimento cirúrgico indisponível
na rede pública, pois a religião do paciente (Testemunha de Jeová) proíbe
transfusão de sangue.
De acordo com a Turma
Recursal, os três entes federativos devem se responsabilizar pelo custeio de uma cirurgia de artroplastia
total primária cerâmica sem transfusão, em hospital público ou particular, na
modalidade Tratamento Fora do Domicílio, pois o procedimento não está
disponível na rede do estado.
Ainda
segundo a decisão, a administração pública deve
disponibilizar cobertura assistencial integral (inclusive consultas, rotinas
médicas e medicamentos) para a completa recuperação de sua saúde, além de
custear, ao paciente e a um acompanhante, passagens aéreas, traslados,
hospedagem, alimentação e ajuda de custo até a completa realização do seu
tratamento.
Com fundamento no
artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, o acórdão recorrido estabelece
que o Poder Público deve garantir o direito à saúde de maneira compatível com
as convicções religiosas do cidadão, “uma vez que não basta garantir a sua sobrevivência,
mas uma existência digna, com respeito às crenças de cada um”.
No
recurso apresentado ao STF, a União afirma que o acolhimento do pedido de
custeio de tratamento médico criará uma preferência em relação aos demais
pacientes, afrontando o princípio da isonomia.
Aponta, ainda, violação
ao princípio da razoabilidade, já que qualquer procedimento cirúrgico pode ter
complicações e, eventualmente, exigir a transfusão de sangue. A Procuradoria
Geral da União opinou pelo desprovimento do recurso, pois entende que não foi
demonstrada a impossibilidade da realização da cirurgia sem transfusão de
sangue.
Manifestação
Em manifestação ao
Plenário Virtual, o relator do processo, ministro
Luís Roberto Barroso, destacou que a questão constitucional reside na identificação
de solução para o conflito potencial entre a liberdade religiosa e o dever do
Estado de assegurar prestações de saúde universais e igualitárias.
Em seu entendimento, é
necessário determinar se a extensão das liberdades individuais, prevista no artigo
5º, inciso VI, da Constituição, pode justificar o custeio de tratamento médico
indisponível na rede pública.
Para o ministro, a
matéria "é de evidente repercussão geral, sob todos os pontos de vista
(econômico, político, social e jurídico), em razão da relevância e
transcendência dos direitos envolvidos”.
O ministro observa que
as liberdades individuais, entre elas a religiosa, pode ser restringida caso a
conformação das políticas públicas de saúde desconsidere concepções religiosas
e filosóficas compartilhadas por comunidades minoritárias. Ressalta que admitir
que o exercício de convicção autorize a alocação de recursos públicos escassos
coloca em tensão a realização de outros princípios constitucionais.
Segundo
ele, a demanda judicial por prestação de saúde não incorporada ao sistema
público exige a ponderação do direito à vida e à saúde de uns contra o direito
à vida e à saúde de outros.
“Nessa linha, exigir
que o sistema de saúde absorva toda e qualquer pretensão individual, como se
houvesse na Constituição o direito a um trunfo ilimitado, leva à ruína qualquer
tentativa de estruturação de serviços públicos universais e igualitários. Dessa
forma, deve-se ponderar não apenas qual bem constitucional deve preponderar no
caso concreto, mas também em que medida ou intensidade ele deve preponderar”,
apontou o relator.
Por unanimidade, o
Plenário Virtual reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada no *RE 979742.
*Repercussão Geral: Instrumento
processual utilizado pelo STF que visa possibilitar que o Supremo Tribunal
Federal selecione os Recursos Extraordinários (REs) que irá analisar, de acordo
com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. Uma vez
constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão
e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas
instâncias inferiores, em casos idênticos.
*RE: Recurso Especial: É o meio utilizado para contestar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, uma decisão proferida por um Tribunal de Justiça
ou Tribunal Regional Federal, desde que a decisão recorrida contrarie um
tratado ou lei federal.
Grifo nosso
Fonte: STF
Imagem:odefensor.com.br
Curta e compartilhe
no Facebook
Sem comentários:
Enviar um comentário