Na berlinda por conta
de decisões controversas, o órgão regulador de planos de saúde vive uma crise
interna e de imagem potencializada pelo loteamento político de cargos e por dificuldades
econômicas do setor.
A
lista de problemas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) inclui cargos
vagos, indicações de diretores paradas e acusações de que a agência, que
completa 18 anos, atende anseios privados.
Desde junho, duas
medidas colocaram o órgão na mira: o reajuste dos planos individuais em 10% e
regras de franquia e coparticipação, que liberaram a cobrança dos usuários de
planos em até 40% do valor de exames e consultas.
As medidas foram
editadas em um momento delicado para as empresas. Em pouco mais de dois anos, 3
milhões de pessoas perderam plano de saúde no país.
"Diante da crise,
os planos viram a oportunidade de emplacar a agenda que sempre quiseram:
liberar preço e reajuste, fragmentar a oferta", diz Mário Scheffer,
professor da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador do tema.
O
apetite dos políticos também aumentou durante a crise, segundo depoimento do
senador cassado Delcídio Amaral, concedido em 2016.
O parlamentar declarou
que havia "uma verdadeira 'queda de braço' para indicação de nomes para as
agências reguladoras ligadas à área da saúde, até pela visibilidade negativa
que o caso Lava Jato impôs aos setores de energia, engenharia e petróleo."
Disse ainda que os
senadores Eunício de Oliveira, Romero Jucá e Renan Calheiros, do MDB, tinham papel
central nessas indicações.
Atualmente, a diretoria
colegiada da agência ainda é tida como área de influência do MDB do Senado.
Mesmo que seus
ocupantes sejam servidores de carreira da agência, como hoje, o apoio político
é fundamental, uma vez que a indicação para o posto é feita pelo presidente da
República.
Atualmente,
duas indicações de diretores estão à espera de confirmação após serem alvos de
críticas de entidades como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor) e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Um dos indicados é
Rogério Scarabel, sócio de um escritório de advocacia que já atuou em causas em
favor de planos.
Em sabatina no Senado,
ele disse que sua ação não foi "apenas para os planos de saúde, mas muito
mais na defesa das normas nas relações entre beneficiários, prestadores de
serviços e as operadoras".
A outra indicação
contestada é a de Davidson de Almeida, ex-assessor de um deputado do PP.
Segundo reportagem da TV Globo, ele foi citado em investigação sobre um esquema
de arrecadação. Teria morado em um local no qual era estocado dinheiro. A Folha
não conseguiu localizá-lo.
Em meio às
turbulências, o diretor-presidente substituto da ANS, Leandro Fonseca, pediu
para deixar a chefia interina e ficar só como diretor.
A agência não tem
presidente definitivo desde maio de 2017, situação agravada pela existência de dois
postos vagos na diretoria.
O
esvaziamento se dá em um momento em que a ANS é alvo de questionamentos de
outros órgãos públicos. Nos últimos quatro meses, o TCU e o Ministério da
Fazenda criticaram a forma de cálculo do reajuste dos planos, e senadores
assinaram um pedido de CPI para investigar o setor.
E, na semana passada, a
ministra Cármen Lúcia, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu
as novas regras de coparticipação e franquia. "Saúde não é mercadoria.
Vida não é negócio", escreveu na decisão.
As afirmações ecoam
críticas de que a agência estaria contaminada por interesses do mercado.
"A noção de interesse público da ANS está mais ligada à defesa da
sustentabilidade econômica das empresas do que ao bem estar social", diz
Ana Carolina Navarrete, advogada e pesquisadora do Idec.
A imagem é reforçada
pela trajetória de alguns dos ex-integrantes da agência, de todos os governos.
Indicada para integrar a primeira diretoria, na gestão FHC (PSDB), Solange
Beatriz Mendes é hoje presidente da FenaSaúde, federação de operadoras.
Indicado
por Lula (PT), Maurício Ceschin chegou ao cargo após ser presidente da
administradora de benefícios Qualicorp. José Carlos Abrahão, que ingressou na
agência apontado por Dilma Rousseff (PT), havia defendido interesses de planos
antes na CNS (Confederação Nacional de Saúde). Há outros exemplos.
Tese de doutorado
apresentada em 2017 por Marcello Fragano Baird no programa de ciência política
da USP mapeou o fenômeno e buscou entender o quanto conexões com o mercado e
indicações políticas eram determinantes para as decisões da ANS.
Ao analisar a
composição da agência até o ano passado, ele concluiu que, após um período de
predomínio de pessoas com uma visão sanitarista, grupos de perfil mais liberal
ganharam espaço, reflexo de composições na coalização do governo federal.
Ainda assim, concluiu
que essa mudança não se refletia em regulações mais favoráveis ao mercado,
entre outros fatores por conta de limitações legais e por causa de uma
burocracia da agência de perfil mais sanitarista.
Questionado sobre as
novas indicações, ele diz avaliar que, inicialmente, elas indicam um
aprofundamento desse perfil de visão liberalizante.
Os efeitos, porém, são
incertos, em sua opinião, também pelos motivos de antes, mas não só. "Por
mais que a agência consiga aprovar medidas mais liberalizantes, há grandes
chances de que elas sejam barradas na Justiça. É um setor muito instável."
AGÊNCIA
DIZ TER EQUIPE QUALIFICADA E DEFENDER INTERESSE PÚBLICO
Em nota, a ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar) afirmou que suas ações são pautadas pelo
trabalho técnico de servidores qualificados e que sua diretoria também é
composta por “servidores públicos com ampla experiência na própria ANS”.
A agência disse que a
própria norma de coparticipação e franquia seria uma medida protetiva ao
consumidor, ao colocar limites para a prática.
O órgão lembrou medidas
adotadas para proteger o consumidor como a fiscalização das empresas, a criação
da lista mínima de coberturas obrigatórias, a instituição de tempos mínimos de
atendimento e a mediação de conflitos.
Grifo nosso
Fonte: folhaonline/ Angela
Pinho
Imagem: cofen.gov.br
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