segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Falta mais eficiência ao SUS do que verba, afirma estudo



Os problemas de acesso e cuidados especializados no SUS têm mais a ver com desorganização e ineficiência do que com falta de dinheiro.

Essa é uma das conclusões do Banco Mundial em relatório obtido com exclusividade pela Folha que analisa 20 anos do SUS e traça seus desafios.

O próprio governo reconhece a desorganização, mas aponta avanços nos últimos anos.

O subfinanciamento é sempre citado por especialistas, gestores e governos como uma das principais causas para as deficiências do SUS.

E o Banco Mundial reforça isso: mais da metade dos gastos com saúde no país se concentra no setor privado, e o gasto público (3,8% do PIB) está abaixo da média de países em desenvolvimento.

Mas o relatório afirma que é possível fazer mais e melhor com o mesmo orçamento.

"Diversas experiências têm demonstrado que o aumento de recursos investidos na saúde, sem que se observe a racionalização de seu uso, pode não gerar impacto significativo na saúde da população", diz Magnus Lindelow, líder de desenvolvimento humano do banco no Brasil.


Um exemplo citado no relatório é a baixa eficiência da rede hospitalar.

Estudos mostram que os hospitais poderiam ter uma produção três vezes superior à atual, com o mesmo nível de insumos.

Mais da metade dos hospitais brasileiros (65%) são pequenas unidades, com menos de 50 leitos -a literatura internacional aponta que, para ser eficiente, é preciso ter acima de cem leitos.

Nessas instituições, leitos e salas cirúrgicas estão subutilizados.

A taxa média de ocupação é de 45%; a média internacional é de 70% a 75%.

As salas de cirurgias estão desocupadas em 85% do tempo. Ao mesmo tempo, os poucos grandes hospitais de referência estão superlotados.

"No Brasil, sempre houve grande pressão para não se fechar os hospitais pequenos, o que não ocorre no exterior. O problema não é só ineficiência, mas a falta de segurança desses locais", diz a médica Ana Maria Malik, do núcleo de saúde da FGV.

Mas a questão hospitalar é só um ponto. Grande parte dos pacientes que vão a emergências hospitalares é de baixo risco e poderia ser atendida em unidades básicas.

Dois estudos citados pelo Banco Mundial estimam que em 30% das internações os pacientes poderiam ter sido atendidos em ambulatórios.

"O Brasil tem alto índice de internações por causas sensíveis à atenção primária, que poderia ser minimizado com melhor organização do fluxo assistencial, gerando, assim, uma menor pressão na rede hospitalar", diz Lindelow.

Cuidado adequado para hipertensos e diabéticos, rastreamento de câncer de colo de útero e mama, por exemplo, são ações que podem reduzir parte dessas internações e da mortalidade precoce.

Para o médico Milton Arruda Martins, professor da USP, uma razão para a baixa eficiência na atenção básica é o grande número de pacientes por equipe de saúde da família. "É do dobro do que se preconiza. Se cada equipe tivesse um número menor de pessoas para atender, a capacidade resolutiva seria maior."

Segundo Lindelow, a atenção especializada é outro desafio que não se restringe a equipamentos e insumos. "É essencial investir em capacitação, criação de protocolos e regulação de demanda que permita o acesso a especialistas, exames e cirurgias."

Na opinião de Milton Martins, a rede secundária também é insuficiente. "Pequenas cirurgias, como catarata e hérnia, podem ser feitas fora de hospitais, em ambulatórios, mas não há especialistas nem estrutura para isso."

Outro lado

Governo aponta avanços no SUS e diz que rede hospitalar será redesenhada

O Ministério da Saúde reconhece a desorganização no SUS apontada pelo Banco Mundial, diz que há um longo caminho para tornar a gestão mais eficiente, mas aponta avanço nos últimos anos.

Helvécio Magalhães, secretário de atenção à saúde da pasta, afirma que o problema vem desde a origem do sistema, que aglutinou instituições com diferentes perfis e tamanhos, sem um plano estratégico adequado.

Uma das iniciativas para organizá-lo, segundo ele, tem sido a criação de redes que buscam um atendimento integral do paciente, da consulta no posto à internação.

Exemplo: a rede cegonha, que acompanha a mulher no pré-natal, parto e pós-parto.

"Formar pessoas, organizar o sistema como redes, usando tecnologia de informação, melhorar a gestão interna das instituições. Tudo isso vai melhorar a qualidade da gestão no SUS. Mas é uma longa caminhada."

Segundo ele, com as redes, a área hospitalar será redesenhada. Os pequenos hospitais, alvo de críticas do banco, por exemplo, passarão por avaliação minuciosa.

Magalhães diz que todos os 3.500 hospitais com menos de 50 leitos serão visitados até março.

"Não fecharemos os pequenos, mas eles deverão ter clareza de sua função na rede regional. Pode ser que virem um centro de parto normal ou uma base de apoio à saúde da família."

Para ele, é preciso expandir os leitos com qualidade e conforme a demanda regional. Por exemplo, se a área tem muito acidente de moto, é preciso um hospital para atender traumas.

"Temos que crescer em áreas críticas. Os hospitais devem se transformar em grandes UTIs, para quem precisa de cuidados intensivos. O resto pode ser tratado em ambulatórios ou em casa."

Saúde Básica 

Sobre a estagnação da rede de atenção básica, outro problema apontado pelo estudo, Magalhães diz que nos últimos três anos a opção foi melhorar a qualidade das equipes (médicos, enfermeiros, técnicos e agentes) em vez de crescer em números.

Catorze mil unidades (de um total de 43 mil) ganharam banda larga, por exemplo.

Equipes de saúde da família foram convidadas a aderir a um programa de capacitação, a partir do qual começaram a ter maior remuneração de acordo com o desempenho no cuidado dos pacientes.

Ele afirma ainda que haverá a ampliação das equipes de saúde da família, atualmente sobrecarregadas. Em vez de cada uma atender 3.500 pessoas, como hoje, a meta é chegar a 2.000.

Grifo nosso

Fonte: Folha de São Paulo / Cláudia Collucci

Imagem: Editoria de arte / Folhapress

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