O
mito faz parte da natureza humana. [...]
[...]
Durante cerca de 10 dias estive em missão oficial em Cuba, fazendo parte de uma
comissão do governo brasileiro que foi àquele país para observar o ensino
médico ali realizado, visando futura revalidação conjunta de diplomas
universitários médicos. [...]
[...]
Quando embarquei para Havana levava comigo uma pergunta remanescente a martelar
minha cabeça: por que os médicos formados em Cuba são reprovados quando tentam
revalidar os seus diplomas nas universidades brasileiras?
Uma
outra pergunta já me tinha feito: seria o processo brasileiro de revalidação
exigente em excesso?
[...]
O que lá encontrei, a par dos quase seiscentos estudantes brasileiros ali se
preparando para serem médicos, foi gente séria ensinando jovens inteligentes a
serem médicos para um sistema que os cubanos acreditam ser o melhor.
Presença brasileira
Os
estudantes brasileiros ali chegaram através de um sistema autofinanciado
(aproximadamente U$ 8,000 anuais)- existente até o ano passado – ou mediante um
processo seletivo confuso e não democrático onde predominam as indicações
políticas.
Ressalte-se
que todos esses estudantes são admitidos sem prestar exame vestibular.
Lá,
como no Brasil, se leva seis anos para formar um médico.
As
semelhanças quase que param por aí. Digo quase porque, nominalmente, as
disciplinas dos dois cursos em muito se assemelham.
Os
seus conteúdos, entretanto, não apresentam a mesma similitude. Lá foi possível
constatar que os estudantes estudam muito, mas, como em todos os lugares,
basicamente o que lhes ensinam ou os orientam a aprender.
É
incontestável que há uma brutal estratificação e controle da prática médica.
Lá
o médico faz apenas o que o Estado cubano lhe permite fazer. Isto significa
adequar o seu conhecimento às possibilidades provedoras do Estado, que por sua
vez são, a olhos vistos, limitadas e insuficientes, conforme nos foi
apresentado pelas autoridades cubanas da saúde e como nos foi possível
constatar neste breve e superficial “recurrido”.
Tudo
isto tem reflexos sobre o tipo de formação ali instituída.
O
médico cubano recém-formado é um médico contingenciado em seus conhecimentos.
Vejam
bem, estou usando a palavra contingenciado e não mal-formado, pois tenho a convicção
de que este processo é intencional para adequar as demandas futuras dos
recém-formados às possibilidades do Estado cubano de atendê-las. Se não sei,
não peço. Se não sei, não exijo.
Existe
um fato, também inquestionável, que se traduz na obrigatoriedade de o médico
cubano (e só ele) cursar, após formado, três anos de medicina geral e
integrada.
Esta suplementação de conhecimento é o reforço
que eles mesmos reconhecem ser necessário para a formação do médico cubano (e
só para ele).
Mas
o reconhecimento da insuficiência da formação médica cubana também é
manifestado quando Cuba trata os estudantes norte-americanos que ali estão de
modo diferenciado, oferecendo-lhes um currículo particular a fim de que possam
obter a aprovação nos exames de revalidação a que são submeti dos nos Estados
Unidos da América do Norte.
Por
tudo que vi, ouvi e pude apreender nesta viagem à bela ilha de Cuba, creio que
passo agora a ter, se não no todo, mas pelo menos em parte, a resposta à
pergunta que me acompanhou quando de minha partida.
Os
médicos recém-formados em Cuba não
conseguem aprovação nas provas de revalidação de diplomas no Brasil porque a
sua formação é deliberadamente limitada, com ênfase nos cuidados básicos -
importantíssimos , por certo, porém insuficientes para o exercício de uma
medicina plena, como precisamos e exercemos no Brasil.
Um
mítico Estado provedor que controla tudo de forma onipotente e insuficiente
precisa, compreensivelmente, do ponto de vista do exercício do poder, criar
mecanismos de controle das demandas que não pode atender. A formação médica em
Cuba, como parte importante daquela sociedade, não poderia ficar fora deste
processo de controle de um Estado forte e centralizador.
Ao voltar, vim absolutamente
convicto de que o ensino médico em Cuba é sério, porém insuficiente; os seus professores são dedicados e os
alunos com quem mantive contato, interessados e tidos por seus mestres como
estudiosos.
Assim,
penso ser desnecessário qualquer tratamento diferenciado aos formandos daquele
país, bastando que modifiquem os seus currículos, como fizeram para os
americanos do Norte, que por certo obterão êxito quando das provas de
revalidação dos diplomas no Brasil.
Hoje,
como está, não dá! Para valorizar a medicina cubana não é preciso mitificá-la.
O
seu valor real reside no seu sucesso e nas suas deficiências. Submeter os
médicos que ali se formam a uma avaliação justa e transparente será algo
salutar e necessário para o Brasil e, principalmente, para o ensino médico em
Cuba.
Grifo nosso
Autor: Edson de Oliveira
Andrade (pneumologista, ex-presidente do CFM)
Fonte: Academia Médica
Imagem: brasillivredemocrata.blogspot.com
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