O
serviço de hemodiálise (a limpeza do sangue por aparelhos, quando os rins não
funcionam) vive um colapso no Brasil, segundo denunciaram os participantes de audiência pública conjunta
das Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e Assuntos
Sociais (CAS), nesta quarta-feira (30), para debater os problemas do setor.
Eles
informaram que doentes crônicos renais estão morrendo por causa do
subfinanciamento ao serviço e da falta de medicamentos.
Temos
uma tragédia anunciada, um sistema difícil com a diálise, que está em crise —
afirmou Valter Garcia, diretor da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).
Um
dos principais problemas apontados pelo médico é o valor pago pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) às clínicas que realizam os procedimentos.
O custo real da sessão gira
em torno de R$ 256, mas o sistema público não reajusta o repasse há anos, com
ressarcimento de apenas R$ 179.
São
feitos via SUS 85% dos atendimentos, o que intensifica ano a ano o rombo.
Estatísticas
Nos últimos 10 anos, disse Garcia, o número de pacientes cresceu 71%, enquanto o número de unidades de diálise aumentou apenas 15%.
As
consequências, como informou, são a superlotação, devido à falta de centros de
tratamento, e diálises malfeitas, já que até mesmo a redução do tempo da sessão
vem ocorrendo. Isso encarece ainda mais o tratamento, pelas complicações à
saúde do paciente, podendo levá-lo à morte.
O
presidente da SBN também aponta, como problemas, a falta de médicos
nefrologistas e a grande rotatividade dos técnicos de enfermagem.
Além
disso, não há uma política de mapeamento e tratamento eficazes para a
hemodiálise, denunciou o presidente.
Nem
mesmo a SBN sabe a real incidência da doença no país.
Existe a estimativa de que 10 milhões de brasileiros sofram de algum
tipo de disfunção renal, dos quais mais de 120 mil fazem hemodiálise.
E, destes, 35% têm indicação de transplante,
mas a fila de espera é enorme e o número de doadores não aumenta
significativamente. Este ano, de acordo com dados da Associação Brasileira de
Transplantes de Órgãos, foram realizados 2.664 procedimentos no primeiro
semestre deste ano.
Apagão
Anualmente,
uma média de 33 mil pacientes precisam entrar no sistema de diálise brasileiro.
Somados
os óbitos (19 mil) e os transplantes (5 mil), há uma “abertura de vagas” de 24
mil. Para atender à demanda, disse Paulo Luconi, da Associação Brasileira dos
Centros de Diálise e Transplante, seriam necessárias 9 mil vagas novas por ano,
mas o país só consegue criar pouco mais de 2 mil.
Atualmente,
existem 715 unidades, mal distribuídas pelo país. A região Norte é a que mais
sofre com a carência.
Nós
estamos vivendo um verdadeiro apagão da terapia renal substitutiva no Brasil, o
colapso da terapia. Por que está tendo este colapso? Porque existe uma evidente
falta de vagas com prejuízo no acesso aos usuários e uma perda na qualidade de
diálise naqueles pacientes que estão dialisando — lamentou.
Ele
também cobrou mais incentivos aos transplantes e que se coloque em prática a Portaria MS 389/2014, que organiza a linha de cuidados à pessoa com
Doença Renal Crônica (DRC) e prevê recursos ao cuidado ambulatorial do
paciente, antes que os casos de diabetes e hipertensão, principalmente, evoluam
para a necessidade de diálise. A sustentabilidade passa pela prevenção —
resumiu Luconi.
Já
o presidente da Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e
Transplantados do Brasil, Renato Padilha, lembrou que não adianta realizar os
transplantes e abandonar os transplantados. Muitas vezes o SUS deixa faltar
medicamentos importantes para a sobrevivência dos novos rins. Ele também pediu
incentivos para a chamada diálise peritoneal, que pode ser feita em casa e
evita deslocamentos massacrantes até as clínicas para grande parte dos doentes
renais.
Padilha
clamou ainda que os senadores ajudem a aprovar o PL 155/2015, que tramita na
Câmara. O texto reconhece ao paciente renal crônico o mesmo tratamento legal e
os mesmos direitos garantidos às pessoas com deficiência, a partir da paralisia
total dos rins nativos em hemodiálise e diálise peritoneal e da constatação do
comprometimento de sua funcionalidade.
Maior do mundo
O
coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde,
Heder Murari Borba, frisou que o Brasil tem o maior sistema público de
transplantes do mundo e é o país o que mais realizou transplantes de órgãos em
2014 na América Latina (7.695). No ano passado, foram repassados R$ 2,6 bilhões
aos estados para pagamento de terapias renais, e que é preciso lembrar-se do
momento delicado que o país enfrenta na economia, quando faltam recursos para
tudo.
Temos
que ter cuidado para não jogar fora, além da água da bacia, a criança junto —
ponderou.
Já
o subprocurador-geral da República, Oswaldo Silva, afirmou que tanto os
ministérios públicos estaduais quanto o federal estão estimulando a negociação
para as demandas de tratamento de hemodiálise. Antes, eles estimulavam a
judicialização, o que promovia a desorganização na execução financeira e
orçamentária do gestor de saúde, especialmente os estaduais e municipais.
Senadores reagem
Após
a realização do debate, os parlamentares decidiram procurar, nas próximas
semanas, o Ministério da Saúde. A sugestão foi do senador Waldemir Moka
(PMDB-MS). A ideia é encontrar alguma solução possível pelo menos para diminuir
a defasagem em relação ao custo real e o repasse efetivo pela sessão. A visita
ao ministério deve ocorrer em duas semanas, e a comitiva será integrada pelos
palestrantes e pelos senadores presentes à reunião.
A
doença renal crônica mata tanto quanto o trânsito e os homicídios, e é uma
morte silenciosa — lamentou o senador e médico Eduardo Amorim (PSC-SE), que
sugeriu a realização do debate.
Grifo nosso
Fonte: Agência Senado
Imagem: hospitalnovo.com.br
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