Inserir prontuário
médico em processo judicial, sem ciência ou autorização, viola o direito à
intimidade do paciente, ferindo o Código de Ética Médico, e causa dano moral.
A decisão é da 9ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou uma
médica por ter utilizado o prontuário de uma paciente num processo em que é ré,
mas sem autorização.
Além
de manter sentença que determinou a retirada do prontuário do processo, os
desembargadores do TJ-RS condenaram a médica a pagar R$ 1 mil à paciente.
Com os documentos
clínicos, a médica quis provar, naquele processo, que não estava passeando ‘‘na
noite’’, mas retornava para casa com colega de trabalho após ter atuado em um
parto. A exposição, sem autorização, motivou a paciente a pedir indenização por
danos morais, alegando que houve violação de sigilo médico.
Conduta
do advogado
Já os desembargadores
criticaram a conduta do advogado da parte autora, que, em tese, se mostrou
determinante para o ajuizamento desta ação indenizatória – violação de dever
funcional – contra a médica. Afinal, teria sido ele que expôs os dados do
prontuário da paciente para a, agora, sua cliente, no afã de patrocinar a
causa.
Por ‘‘atuar de forma
contraditória’’, o juiz Alexandre Schwartz Manica, da 10ª Vara Cível da
Capital, disse que o procurador ‘‘arranhou’’ o inciso IV do artigo 34 do
Estatuto da Advocacia – angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de
terceiros. Ou seja, teria incorrido em infração disciplinar.
Já o relator da
Apelação no TJ-RS, desembargador Eugênio Facchini Neto, entendeu, primeiro, que
a circunstância da exposição ter sido feita pelo procurador pesou na modesta
quantificação do dano moral. Além disso, argumentou, os dados expostos não são
significativos. A seu ver, não trazem informações que, por si só, possam
acarretar maiores ofensas à autora que não as decorrentes da simples quebra de
confiança entre paciente e médico.
A
hipótese do relator
Facchini Neto, no
entanto, resolveu ir a fundo, para tentar entender as reais motivações deste
processo. Ao se deparar com as razões da Apelação, afirmou estranhar a ausência
de explicação para a forma como a autora da ação indenizatória na 10ª. Vara
Cível tomou conhecimento do ocorrido. E formulou uma hipótese: tudo teria
começado com o advogado dela, que seria o autor da ação de trânsito movida
contra a médica ré – que acabou usando o prontuário para reforçar sua defesa.
Como o advogado teve
acesso àqueles autos, por atuar em causa própria, ficou ciente da juntada da
documentação – e da ilegalidade da conduta da médica. Frente a este quadro,
discorreu o relator, ele procurou a autora, deu-lhe ciência do acontecido e
propôs-lhe o patrocínio da presente causa.
‘‘Tenho isso como certo, porque,
repito, nenhuma outra explicação sobre como a autora, então, ficou sabendo da
ilicitude cometida, foi trazida. Ou seja, não se cuida de intuição ou achismo;
trata-se de dedução lógica, convertida em certeza pela conduta da própria parte
de não ser capaz de revelar outra forma de conhecimento do fato que não aquela
deduzida’’, registrou no acórdão.
Interesse
próprio
Em consulta ao sistema
eletrônico de acompanhamento processual do Tribunal de Justiça gaúcho, a ConJur
comprovou a veracidade da hipótese: o advogado é, de fato, o autor da ação de
trânsito, e a médica, ré. A ação tramita na 9ª. Vara Cível do Foro Central da
Capital (processo 1.12.0178455-8)
‘‘Em resumo, não fosse
o agir em interesse próprio de seu procurador, a autora possivelmente jamais
teria ficado sabendo da exposição de seus dados, pois aos demais operadores do
direito que tiveram acesso aos autos nos quais eles foram juntados – à exceção
de seu procurador, repiso –, a documentação só presta para conferir
credibilidade à informação da médica-ré acerca de circunstâncias prévias ao
acidente de trânsito sub judice’’, fulminou o relator, que enviou ofício ao
Conselho de Ética da OAB local para apuração da conduta do advogado.
Grifo nosso
Fonte: conjur.com.br
Imagem:enfermagemcefoe.blogspot.com.br
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