O
crime de desobediência, tipificado no artigo 330 do Código Penal, só se
configura se a ordem do funcionário público for dirigida diretamente a quem tem
o dever legal de cumpri-la.
Já
que não se tratava desta hipótese, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul derrubou sentença que negou
reparação a um médico que foi preso por se recusar a emitir atestado médico
descritivo de lesões num homem preso, ante à ausência do perito legista.
Com a reforma da decisão, ele receberá R$ 10
mil.
Para
o relator da apelação, juiz convocado Sylvio da Silva Tavares, a recusa na elaboração de exame de corpo de
delito do preso mostrou-se justificável, porque o autor não é legista e este
estava na cidade, tanto que chegou minutos depois da polícia no hospital.
Além disso, este tipo de exame deve ser feito por
perito oficial, como sinaliza o artigo 159 do Código de Processo Penal.
Assim,
no caso dos autos, não restou suficientemente evidenciada a obrigação legal do
autor, médico plantonista, em cumprir a ordem que lhe foi direcionada pela
autoridade policial.
Na
percepção do juiz convocado, a prisão em flagrante pelo crime de desobediência
se constituiu em abuso, ensejando o dever de indenizar.
É
o que o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, diz que a responsabilidade
das pessoas jurídicas de direito público é objetiva, razão pela qual respondem
pelos danos que seus agentes derem causa. ‘‘O dano moral, na hipótese,
afigura-se in re ipsa, porquanto decorrente do próprio fato, prescindindo de
maiores provas de sua ocorrência’’, explicou.
Em
seu voto, Tavares ainda citou trecho da Resolução 18, de 2009, do Conselho
Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul. Diz o artigo 2º: ‘‘Aos
médicos plantonistas, quando estiverem no desempenho dessa atividade, é vedado
realizar exames periciais de corpo de delito, devendo priorizar os atendimentos
de urgência e emergência’’. O acórdão foi lavrado na sessão de 1º de outubro.
O caso
Por
volta das 18h do dia 8 de outubro de 2009, uma quinta-feira, dois policiais civis
chegaram ao Hospital Ivan Goulart, na cidade de São Borja, conduzindo um homem
ferido em acidente de motocicleta. Ele estava com mandado de prisão decretado
pela Justiça.
Como
de praxe, o detido deveria ser submetido
a exame de corpo de delito e, após, encaminhado ao presídio, já que a
instituição não aceita ferido sem atestado médico que descreva as lesões
sofridas.
Naquele
momento, cumpria plantão na emergência do pronto-socorro infantil do hospital o
médico, que foi chamado pelos policiais para atender o preso e descrever suas
lesões.
Após examinar o paciente, disse ao policial
civil que as lesões eram antigas, mas que não faria a descrição. Esta tarefa
cabia ao legista oficial, que atendia às terças e quintas-feiras.
Chamado,
o legista chegou em 15 minutos e assinou o laudo.
Entretanto,
o policial não pegou o laudo. Irritado, deu voz de prisão ao médico, por
desacato, conduzindo-o à Delegacia de Polícia.
Lá,
este assinou um termo circunstanciado pelo crime de desobediência, sem chances
de dar a sua versão, e foi liberado. Como foi preso na frente de pacientes,
médicos e funcionários do hospital, e de forma injusta, o médico ajuizou ação
de reparação moral contra o Estado.
Citado
pela 2ª Vara Cível da Comarca de São Borja, o Estado do Rio Grande do Sul
alegou que o médico deu causa à detenção, pois desobedeceu a ordem de delegado.
Afinal,
havia um acordo verbal entre o médico-perito da cidade e o administrador do
hospital de que, na ausência do primeiro, o plantonista poderia informar lesões
de pacientes atendidos por meio de boletim de atendimento.
Sentença improcedente
A
juíza Gabriela Irigon Pereira afirmou que os depoimentos e documentos trazidos
ao processo não mostram qualquer mácula na conduta dos policiais.
É
que o médico detido deixou de agir como de praxe, pois bastava assinar o
atestado médico, e nem era preciso ser especialista, para garantir o ingresso
do preso no sistema prisional.
‘‘Não
é possível aguardar por vários dias a marcação de consulta quando necessária a
condução imediata de pessoa com mandado de prisão expedido’’, ponderou.
Tudo
se deu, conforme a julgadora, única e exclusivamente, pela recusa imotivada e
desarrazoada do autor, que desobedeceu a ordem de autoridade.
Por
isso, julgou a ação indenizatória improcedente.
Grifo nosso
Fonte:conjur.com.br
Imagem:TJRS
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