Um dos preceitos seguidos pelos
Testemunhas de Jeová em sua religião é o de que introduzir sangue no corpo pela
boca ou pelas veias viola as leis de Deus, pois, segundo eles, o procedimento
contraria o que está previsto nas passagens bíblicas.
Tal crença impede que essas
pessoas recebam transfusões de sangue até mesmo nos casos emergenciais em que
há risco de vida.
Em virtude desse fato, uma
mulher adepta da religião recorreu
ao TRF da 1ª Região buscando a suspensão
dos efeitos de uma decisão, proferida pelo
Juízo Federal da 18ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais (SJMG), que autorizou a equipe médica do Hospital
das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, gerido pela Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a realizar uma transfusão de
sangue forçada na paciente, então agravante no processo.
Ao ajuizar a ação em busca da autorização para realizar o procedimento,
a EBSERH alegou que a transfusão seria urgente e indispensável para a
preservação da vida da paciente, internada no Hospital Universitário da UFMG
desde o dia 12 de março de 2015, quando foi diagnosticada com Leucemia
Linfoblástica Aguda (LLA) e recebeu a prescrição do tratamento por meio de
quimioterapia.
Por também apresentar anemia, os médicos indicaram a transfusão de
sangue.
No entanto, após receber os esclarecimentos sobre seu
estado de saúde e as formas de tratamento disponíveis, a parte agravante
explica que manifestou, de forma verbal e em um documento de diretivas antecipadas, sua opção por um protocolo
médico que dispensasse a utilização de componentes sanguíneos.
A decisão foi tomada com base em suas convicções religiosas e na
existência de opções terapêuticas sem sangue e riscos transfusionais, como as
que utiliza desde o dia em que foi hospitalizada.
Ao analisar a questão, o relator, desembargador federal Kassio Nunes
Marques, citou entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís
Roberto Barroso, expresso no parecer intitulado "Legitimidade da recusa de
transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, liberdade
religiosa e escolhas".
De acordo com o documento, a liberdade de religião é um direito
fundamental, uma das liberdades básicas do indivíduo, constituindo escolha
existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade.
A recusa em se submeter a procedimento médico por motivo de crença
religiosa configura manifestação da autonomia do paciente, derivada da
dignidade da pessoa humana.
O mesmo parecer afirma que a
transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à
vida, a dignidade humana, que é um dos fundamentos da República brasileira.
Com base nesses argumentos, o
magistrado acatou o pedido da paciente por entender que existem outras formas
de tratamento para o caso. “Ao contrário do que alega a EBSERH e aduz a
decisão impugnada, há outro tratamento médico que poderá ser dispensado à
paciente – que não implique em transfusão de sangue –, como na hipótese do
medicamento consentido pela paciente para a correção da anemia, que é a
Eritropoetina (hormônio que atua na medula óssea para a produção de células
sanguíneas). Assim, diante dos elementos dos autos, verifico a possibilidade de
a agravante eleger o tratamento que lhe aparenta mais pertinente e adequado à
sua pronta recuperação, direito esse constitucionalmente assegurado,
independentemente de crença religiosa”, concluiu o desembargador Kassio Nunes
Marques.
Requisitos – é importante destacar que a possibilidade de
recusa de tratamento pelos Testemunhas de Jeová requer o consentimento genuíno,
e para que ele seja legítimo é preciso verificar a presença de alguns aspectos
ligados ao sujeito do consentimento, à liberdade de escolha e à decisão
informada.
O sujeito do consentimento é o titular do direito fundamental em
questão, que deverá manifestar de maneira válida e inequívoca a sua vontade.
Para que essa escolha seja válida deverá ele ser civilmente capaz e estar em
condições adequadas de discernimento para expressá-la.
Grifo nosso
Fonte: TRF1
Imagem:extj.com.br
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