"O limite entre a
autonomia da vontade do paciente e o dever de agir do médico é o risco de vida
daquele, sendo impositiva, nessa hipótese, a adoção de todas as medidas
disponíveis para mitigar os riscos, inclusive transfundir sangue,
sobrepujando-se o direito à vida em detrimento da liberdade, que não é
absoluta".
A análise é do
Desembargador Túlio Martins, relator de recurso em ação na qual paciente
processou hospital por recusa em realização de cirurgia.
O motivo foi a
não-autorização, por motivos religiosos, para que a equipe médica efetuasse
transfusão de sangue caso fosse necessário.
A 10ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado, que julgou o caso, negou por unanimidade a
indenização por danos morais ao paciente.
O
caso
O
autor, Testemunha de Jeová, ajuizou ação pedindo indenização
por danos morais contra o Hospital Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre,
narrando que em 2012, precisou realizar uma operação na região da próstata pelo
SUS, mas houve recusa médica para tal procedimento.
O
anestesista teria se recusado a realizar o ato cirúrgico, por falta de
autorização para realização, caso
necessário, de transfusão sanguínea durante a operação, por motivos religiosos.
Assim, procurou um
médico na rede particular que aceitasse tal condição para realizar a operação.
Também afirmou que a
cirurgia seria de baixa complexidade e sangramento, assim sendo dispensável a
autorização de transfusão para sua realização.
A instituição
argumentou que o médico tem autonomia para decidir os procedimentos que adota,
e que o hospital não se recusou a realizar a cirurgia. Também afirmou que o
quadro de saúde do paciente não exigia um procedimento urgente, mencionando que
a solução do impasse poderia ser resolvida com a simples transferência do
paciente para outro médico que aceitasse a restrição de procedimento.
Em
1º Grau, o hospital foi condenado a ressarcir danos materiais e indenizar em R$
20 mil reais por danos morais.
A Santa Casa apelou da
decisão.
Recurso
O relator do apelo,
Desembargador Túlio Martins, votou pela reforma da decisão. Referiu que o
procedimento de cirurgia prostática pode trazer risco, ainda que diminuto,
evidenciando-se assim a necessidade de se arbitrar sobre as liberdades
religiosa e da atuação profissional.
"Dessa forma,
evidencia-se a delicada situação envolvendo as liberdades, sendo de um lado, a
convicção religiosa e opção no tratamento médico e, de outro, o arbítrio do
profissional da medicina na recusa de correr desnecessariamente determinados
riscos, também por convicções pessoais", afirmou o magistrado.
Ponderou que como a
Constituição permite a liberdade religiosa, inclusive seus aspectos ligados ao
bem-estar e à saúde, o Código de Ética Médica concede ao profissional liberdade
de aceitar ou de não realizar procedimentos, desde que avise previamente o
paciente de sua recusa. Dessa forma, o médico pode negar-se ao atendimento,
salvo quando não houver outro profissional disponível, em situação de
emergência ou quando possam ocorrer danos ao paciente decorrentes da renúncia.
Nesse sentido, o
Desembargador citou que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu acerca do
dever médico de intervenção com transfusão sanguínea em situação de risco de
morte, inclusive quando contraria a vontade do paciente, concluindo pela
sobreposição do direito à vida.
O
magistrado também destacou que a cirurgia privada foi realizada dois meses após
a recusa, sem tempo hábil para que o Poder público providenciasse o seu
redirecionamento para um médico que fizesse o procedimento nos termos
permitidos pela religião do autor.
Assim, afirmou o Desembargador Túlio, ocorreu
precipitação pela realização do procedimento de maneira privada.
Na decisão, o
magistrado deu provimento ao apelo interposto pela Santa Casa de Misericórdia,
negando a indenização.
Os Desembargadores
Catarina Rita Krieger Martins e Jorge Alberto Schreiner Pestana acompanharam o
voto do relator.
Grifo nosso
Fonte: TJRS
Imagem: Reprodução
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