quinta-feira, 25 de abril de 2013

A “Lei das Domésticas” e a Responsabilidade Civil do Médico


Sabe-se que o papel institucional do legislador além de fiscalizar é, em última análise, o de criar leis.

Leis essas que contemplem os anseios da sociedade uma vez a mesma só passam a existir após reiteradas ações sociais que a amparem. Ou seja, a lei vem a reboque do comportamento social e do desenvolvimento da sociedade como um todo.

Exemplificando, a criação da lei “Carolina Dieckmann” que trata da punição dos hackers  ou piratas cibernéticos aconteceu após a invasão reiterada por vários anos dos computadores alheios.

Fato semelhante ocorreu quando da proibição em algumas Capitais brasileiras do cliente ligar ou receber ligações por intermédio do telefone celular no interior das agências bancárias. Essa lei se fez implementar como uma forma de prevenir e inibir os crimes praticados dentro das agências bancárias. Certo que, se não existisse o celular, a lei também não existiria.

Com a implementação da “lei das domésticas” foi dado um importante passo nas relações trabalhistas  patrão/doméstico porém, há de se considerar que numa grande parcela dessa relação profissional existe um apelo que se funde entre o afeto e a amizade fundado no tempo de convivência ou até mesmo, por uma simpatia à primeira vista. 

Toda lei por sua própria essência e característica é fria e calculista.

Nivela todos os envolvidos em um só patamar. No caso em tela, não leva em consideração que, em diversas situações, ocorreu que a doméstica acompanhou o crescimento da criancinha filha de seus patrões, e essa criancinha se tornou uma adulta e desenvolta em sua profissão.

Seus patrões outrora recém-casados hoje são avós e por sua vez, a doméstica antes mocinha solteira, hoje consta casada e com filho cursando o ensino médio.

A evolução da vida passou por eles entretanto, a lei os torna insensíveis e literais.

Notadamente, reconhece-se que a lei não é somente sua necessidade, é também seu conteúdo.

O risco da normatização de uma lei cega aos olhos da relação social é exatamente o cidadão, nela perder a confiança e não ver sentido em cumpri-la.

Caso semelhante acontece com a relação médico-paciente.

Os tribunais embasados na letra fria da lei, trilham para o caminho que, ao médico lhe é impossível adotar uma relação de afeto, de sigilo - que é uma das manifestações da fidelidade interpessoal - e confiança com seu paciente.

Em determinadas patologias o médico acompanha seu paciente desde a tenra infância até se tornar adulto ou mesmo até uma idade avançada. Nesse particular, essa relação se assimila com a evolução das relações da doméstica que convive com a intimidade dos seus patrões e, inclusive as prováveis e possíveis desavenças familiares.

Não raro acontece numa relação médico-paciente a situação de o médico conhecer melhor o paciente do que seus próprios pais os conhece.

Com essa sistemática alienada e desprovida de sensibilidade humana, as relações aos poucos se deterioram criando uma verdadeira relação de desconfiança mútua. O paciente passa ser conhecido pela patologia ou invés do nome. Os eventuais atrasos da chegada do profissional médico ao consultório – exceções à parte - são tratados como uma grave irresponsabilidade.

E aí está a lei para nortear, dirigir e punir toda a conduta desconsiderando a ótica humanística dessa relação em que, a mesma não tem em seu âmago o dever da cura, da afeição e do compartilhamento.

Mas, qual seria então, a maneira correta de atuação partindo do princípio que há ilícitos e os mesmos devem ser combatidos?

Eliminando a obviedade na formatação, na formulação e na aplicação do texto. É o óbvio que deturpa e desumaniza as relações diante a aplicação da lei ao caso concreto.

Certa feita o saudoso, controverso e muitas vezes incompreendido escritor, cronista e taumaturgo Nelson Rodrigues escreveu: Muitas vezes esbarramos no óbvio, tropeçamos no óbvio. Pedimos desculpas e passamos adiante, sem desconfiar de que o óbvio é o óbvio. Só o profeta olha o óbvio e diz: ali está o óbvio.

Autor: João Bosco

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