Sabe-se que o papel
institucional do legislador além de fiscalizar é, em última análise, o de criar
leis.
Leis essas que contemplem os
anseios da sociedade uma vez a mesma só passam a existir após reiteradas ações sociais
que a amparem. Ou seja, a lei vem a reboque do comportamento social e do
desenvolvimento da sociedade como um todo.
Exemplificando, a criação da
lei “Carolina
Dieckmann” que trata da punição dos hackers ou piratas cibernéticos aconteceu após a invasão
reiterada por vários anos dos computadores alheios.
Fato semelhante ocorreu quando da proibição em algumas Capitais brasileiras do cliente ligar ou receber ligações por intermédio do telefone celular
no interior das agências bancárias. Essa lei se fez implementar como uma forma
de prevenir e inibir os crimes praticados dentro das agências bancárias. Certo que, se não existisse o celular, a lei também não existiria.
Com a implementação da “lei das domésticas” foi dado
um importante passo nas relações trabalhistas patrão/doméstico porém, há de
se considerar que numa grande parcela dessa relação profissional existe um apelo
que se funde entre o afeto e a amizade fundado no tempo de convivência ou até mesmo, por uma simpatia à primeira vista.
Toda lei por sua própria essência e característica é fria e
calculista.
Nivela todos os envolvidos em um só patamar. No caso em tela, não leva em
consideração que, em diversas situações, ocorreu que a doméstica acompanhou o crescimento da criancinha filha de seus patrões, e essa criancinha se tornou uma adulta e desenvolta em sua
profissão.
Seus patrões outrora recém-casados hoje são avós e
por sua vez, a doméstica antes mocinha solteira, hoje consta casada e com filho
cursando o ensino médio.
A evolução da vida passou por eles entretanto, a lei os torna insensíveis
e literais.
Notadamente, reconhece-se que a lei não é
somente sua necessidade, é também seu conteúdo.
O risco da normatização de
uma lei cega aos olhos da relação social é exatamente o cidadão, nela perder a
confiança e não ver sentido em cumpri-la.
Caso semelhante acontece com a relação
médico-paciente.
Os tribunais embasados na letra fria da lei, trilham para o
caminho que, ao médico lhe é impossível adotar uma relação de afeto, de sigilo
- que é uma das manifestações da fidelidade interpessoal - e confiança com seu
paciente.
Em determinadas patologias o médico acompanha seu
paciente desde a tenra infância até se tornar adulto ou mesmo até uma idade
avançada. Nesse particular, essa relação se assimila com a evolução das
relações da doméstica que convive com a intimidade dos seus patrões e, inclusive
as prováveis e possíveis desavenças familiares.
Não raro acontece numa relação médico-paciente a
situação de o médico conhecer melhor o paciente do que seus próprios pais os
conhece.
Com essa sistemática alienada e desprovida de
sensibilidade humana, as relações aos poucos se deterioram criando uma
verdadeira relação de desconfiança mútua. O paciente passa ser conhecido pela
patologia ou invés do nome. Os eventuais atrasos da chegada do profissional
médico ao consultório – exceções à parte - são tratados como uma grave
irresponsabilidade.
E aí está a lei para nortear, dirigir e punir toda a
conduta desconsiderando a ótica humanística dessa relação em que, a mesma não
tem em seu âmago o dever da cura, da afeição e do compartilhamento.
Mas, qual seria então, a maneira correta de atuação
partindo do princípio que há ilícitos e os mesmos devem ser combatidos?
Eliminando a obviedade na formatação, na formulação
e na aplicação do texto. É o óbvio que deturpa e desumaniza as relações diante
a aplicação da lei ao caso concreto.
Certa feita o saudoso, controverso e muitas vezes incompreendido escritor, cronista e taumaturgo
Nelson Rodrigues escreveu: Muitas vezes esbarramos no óbvio, tropeçamos no óbvio.
Pedimos desculpas e passamos adiante, sem desconfiar de que o óbvio é o óbvio.
Só o profeta olha o óbvio e diz: ali está o óbvio.
Autor: João
Bosco
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