"Costumo
dizer que eu não desisti do sistema de saúde pública, ele é que desistiu de
mim. Fui rejeitado, expelido, praticamente expulso", diz o médico carioca
Marcio Maranhão, 44, cirurgião torácico.
Sua
"expulsão" aconteceu depois de 15 anos de trabalho em hospitais
municipais e estaduais do Rio, que corroeram seu idealismo juvenil com a
profissão.
Os
episódios mais traumáticos que o levaram a desistir do sistema estão narrados
no livro "Sob Pressão - A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro"
(ed. Foz), que será lançado no próximo dia 17.
Carioca
da Gávea, na rica zona sul, Maranhão formou-se na Uerj (Universidade do Estado
do Rio) em 1994 e fez cinco anos de residência em diferentes hospitais
públicos, buscando exercer a "medicina plena, social" com a intenção
de retribuir a educação gratuita que recebera.
Ainda
como residente, conheceu o que chama de "inferno de Dante" no
hospital municipal Souza Aguiar, o maior do Rio para emergências. "Era
1996, pessoas cobriam o chão, disputavam bancos, gemiam sobre macas de
ferro", conta no livro.
"Muitas
vezes precisei dissecar uma veia no chão, quando não havia centro cirúrgico nem
leito disponível. Em situações de extrema urgência, não era raro fazer pequenas
cirurgias sobre macas frias, em bancadas de pia ou até mesmo no chão",
relata.
Um
"truque" de que lançava mão com frequência era usar macas do necrotério,
ao lado do Souza Aguiar.
No
hospital da Posse, à época uma unidade federal, em Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense, o cirurgião afirma que presenciou uma das emergências mais
caóticas.
Ao
abrir a cortina de um leito, encontrou um cachorro de rua com um potinho de
comida. O animal havia sido acolhido ali por um funcionário da limpeza.
"Na
época eu era estagiário. Achei essa cena emblemática", disse.
Entrou
no SUS (Sistema Único de Saúde) por concurso público, em 2001, com um salário
de R$ 1.247 para uma jornada de 20 horas semanais.
Em
nove dos anos em que ficou no sistema, teve apenas um aumento, de R$ 100
–"Uma afronta", afirma. A criação de cargos médicos terceirizados,
com salários quatro vezes maiores, o deixava "indignado".
"Mas
não foi só o salário que contribuiu. Não ter o que oferecer para o doente é
muito angustiante e, ao mesmo tempo, te coloca em armadilhas. À beira do leito
sem recurso, o paciente corre risco de morte e o médico, de ser
imprudente", diz.
EXONERAÇÃO
Maranhão
conta que o "desgaste e indignação" o induziram a pedir exoneração em
2009. "A gente fica doente com o sistema", afirma.
Para
o cirurgião, que atualmente chefia o Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital
da Força Aérea do Galeão, a qualidade do atendimento no sistema público, que já
era ruim à sua época, só piorou desde então.
O
médico afirma que somente quando o sistema de saúde voltar a ser realmente
universal –"como é previsto na Constituição, sem deixá-lo somente para o
pobre"– a situação pode ser revertida.
"Não
bastam ilhas de excelência no SUS, tem de haver um mar que contemple a saúde
universal", diz.
Grifo nosso
Fonte: Folhaonliine / Diana
Brito
Imagem: Reprodução
Curta e compartilhe no
Facebook
Sem comentários:
Enviar um comentário