segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Médico 'expulso' do SUS relata em livro seu dia a dia na rede


O cirurgião torácico Marcio Maranhão, 44, no Rio

"Costumo dizer que eu não desisti do sistema de saúde pública, ele é que desistiu de mim. Fui rejeitado, expelido, praticamente expulso", diz o médico carioca Marcio Maranhão, 44, cirurgião torácico.

Sua "expulsão" aconteceu depois de 15 anos de trabalho em hospitais municipais e estaduais do Rio, que corroeram seu idealismo juvenil com a profissão.

Os episódios mais traumáticos que o levaram a desistir do sistema estão narrados no livro "Sob Pressão - A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro" (ed. Foz), que será lançado no próximo dia 17.

Carioca da Gávea, na rica zona sul, Maranhão formou-se na Uerj (Universidade do Estado do Rio) em 1994 e fez cinco anos de residência em diferentes hospitais públicos, buscando exercer a "medicina plena, social" com a intenção de retribuir a educação gratuita que recebera.


Ainda como residente, conheceu o que chama de "inferno de Dante" no hospital municipal Souza Aguiar, o maior do Rio para emergências. "Era 1996, pessoas cobriam o chão, disputavam bancos, gemiam sobre macas de ferro", conta no livro.

"Muitas vezes precisei dissecar uma veia no chão, quando não havia centro cirúrgico nem leito disponível. Em situações de extrema urgência, não era raro fazer pequenas cirurgias sobre macas frias, em bancadas de pia ou até mesmo no chão", relata.

Um "truque" de que lançava mão com frequência era usar macas do necrotério, ao lado do Souza Aguiar.
No hospital da Posse, à época uma unidade federal, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o cirurgião afirma que presenciou uma das emergências mais caóticas.

Ao abrir a cortina de um leito, encontrou um cachorro de rua com um potinho de comida. O animal havia sido acolhido ali por um funcionário da limpeza.

"Na época eu era estagiário. Achei essa cena emblemática", disse.

Entrou no SUS (Sistema Único de Saúde) por concurso público, em 2001, com um salário de R$ 1.247 para uma jornada de 20 horas semanais.

Em nove dos anos em que ficou no sistema, teve apenas um aumento, de R$ 100 –"Uma afronta", afirma. A criação de cargos médicos terceirizados, com salários quatro vezes maiores, o deixava "indignado".

"Mas não foi só o salário que contribuiu. Não ter o que oferecer para o doente é muito angustiante e, ao mesmo tempo, te coloca em armadilhas. À beira do leito sem recurso, o paciente corre risco de morte e o médico, de ser imprudente", diz.

EXONERAÇÃO

Maranhão conta que o "desgaste e indignação" o induziram a pedir exoneração em 2009. "A gente fica doente com o sistema", afirma.

Para o cirurgião, que atualmente chefia o Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital da Força Aérea do Galeão, a qualidade do atendimento no sistema público, que já era ruim à sua época, só piorou desde então.

O médico afirma que somente quando o sistema de saúde voltar a ser realmente universal –"como é previsto na Constituição, sem deixá-lo somente para o pobre"– a situação pode ser revertida.

"Não bastam ilhas de excelência no SUS, tem de haver um mar que contemple a saúde universal", diz.

Grifo nosso
Fonte: Folhaonliine / Diana Brito
Imagem: Reprodução

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