O
Brasil está perdendo oportunidades no campo da pesquisa clínica de novos
medicamentos por conta de um sistema
burocrático que engessa os pedidos de autorização para estudos, advertiram
pesquisadores e organizações sociais em audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS).
Entre
os expositores, o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de
Pesquisa (Interfarma), Antônio Brito
Filho, afirmou que apenas no ano passado foram inviabilizados 112 estudos em
parceria com centros de pesquisa no exterior.
—
A indústria não perde nada. Quando o
estudo não vem para o Brasil, a indústria desenvolve em outro lugar, e um dia o
medicamento vai chegar aqui.
Quem perde é o paciente, que dele dependeria, e o pesquisador,
para seu aperfeiçoamento — observou
Brito
afirmou que os embaraços decorrem de um sistema de licenciamento sem similar no
mundo, composto de três a quatro instâncias de análise, envolvendo
“retrabalhos” que prolongam em demasia o tempo de avaliação para concessão das
licenças.
Segundo
ele, o tempo de aprovação no país
pode chegar a um ano e, na melhor
hipótese, representa o dobro da média
mundial.
Voluntários
As
pesquisas clínicas de medicamentos envolvem estudos com seres humanos, em
caráter voluntário, com o objetivo de validar e viabilizar medicamentos, produtos
e insumos na área da saúde.
Seguem
protocolos rigorosos, que são
normatizados por resoluções nacionais e internacionais.
No
Brasil, os pedidos passam pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa (Conep), vinculados ao
Conselho Nacional de Saúde, e também pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
De
acordo com Brito, nos Estados Unidos
os centros de pesquisa conseguem
licenças em até 60 dias.
Na Europa, o tempo pode variar entre 60 e 68 dias, enquanto a Coréia do Sul, país que vem se
notabilizando nesse campo dos estudos, as autorizações saem dentro de 30 dias.
Segundo
ele, não adianta constatar que o sistema nacional vem ganhando agilidade, mas
reconhecer que ainda perde para a grande maioria dos países e necessita “se
colocar no jogo”.
—
A disputa é mundial e, portanto, é insuficiente avançar um pouco se alguém lá fora
continua andando mais — opinou o representante da indústria.
Ética versus burocracia
Brito
refutou a ideia de que as exigências éticas no caso de pesquisas com novas
drogas envolvendo testes em humanos exigem cuidados extremos que justificam a
burocracia.
Segundo
ele, é perfeitamente possível conciliar ética, rapidez e eficácia.
A
seu ver, a verdadeira questão seria a “visão conservadora” sobre pesquisa que
prevalece no Conselho Nacional de Saúde.
—
Tem que se estabelecer claramente na cabeça do respeitável Conselho que não é
pecado falar em pesquisa — enfatizou.
Conquistas
Jaderson
Sócrates Lima, que representou a Associação Médica Brasileira (AMB), destacou que os pacientes são os grandes beneficiários das pesquisas clínicas de medicamentos.
Ele
observou que doenças que no passado eram fatais hoje podem ser curadas ou
controladas com medicamentos que dependeram de estudos em humanos.
Citou
o Acidente Vascular Cerebral (AVC), com
redução de 70% da mortalidade, e o HIV-AIDS,
com redução de 65% das mortes nas duas últimas décadas, além do sarampo,
hoje praticamente extinto no mundo.
De
acordo com o expositor, o tema não é de interesse exclusivo da indústria
farmacêutica, já que a área estatal também financia e realiza pesquisas em seus
próprios centos. Ele defendeu mudanças no atual sistema de regulação e a
participação de todos os segmentos no debate para a definição do novo modelo.
Desvantagem no SUS
O
avanço do câncer em todo mundo e a
necessidade de avançar nas pesquisas foram destacados pelo especialista em
oncologia Fábio Franke, coordenador do Centro de Alta Complexidade em Oncologia
do Hospital de Caridade de Ijuí (RS).
Segundo,
os diagnósticos da doença aumentaram,
saindo de 14 milhões para 22 milhões de casos novos por ano.
No
Brasil, seriam 576 novos diagnósticos anuais.
Ele
também criticou a demora para inclusão de novas drogas nos protocolos de
tratamento do Sistema Único de Saúde.
-
Quando a droga é aprovada, só fica acessível para pacientes do sistema privado. O SUS é o último destino, o que leva muitos pacientes a
requisitar por via judicial – observou.
O
pesquisador afirma que desde 2010 a comunidade envolvida em pesquisa clínica de
medicamentos vem debatendo a necessidade
de um novo modelo de análise das licenças para estudos.
Segundo
ele, a pesquisa clínica no país pode acabar se não houver mudanças.
Observou que novas drogas, mesmo quando não
representam cura definitiva, podem assegurar o controle de doenças e mais
qualidade de vida para os pacientes.
—
Muitos podem casar, ter filhos, escrever artigos e dar exemplo de que é
possível, sim, uma melhor – observou.
Experimentos
Luciana
Holtz, que preside o Instituto Oncoguia, uma associação sem fins lucrativos,
criada e idealizada com o objetivo de ajudar o paciente com câncer a viver
melhor, apresentou os resultados de pesquisa a respeito da disposição dessas
pessoas em participar de pesquisas clínicas.
Os
dados mostram que 90% se dispõem a participar e 100% reconhece a importâncias
desses estudos para o avanço dos meios de tratamento e cura.
-
O câncer não espera, então vamos reduzir o tempo e aumentar o número de
pacientes que podem se beneficiar da pesquisa clínica.
Flávio
Cárcano, gerente da área de pesquisa clínica do Hospital de Câncer de Barretos,
manifestou as mesmas preocupações, lamentando a impossibilidade de participar
de ensaios clínicos internacionais que podem beneficiar os pacientes da
instituição, em decorrência dos entraves que impedem a adesão.
Também
destacou a “angústia de famílias devastadas” em busca de medicamentos que o SUS
se recusa a oferecer. Esses pacientes desejariam participar dos testes, se não
estivessem impedidos.
—
A gente não pede menos ética, mas sim eficiência – cobrou.
Grifo nosso
Fonte: Agência Senado
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