sexta-feira, 4 de abril de 2014

Acerca a gestante “forçada” e o nascituro gaúcho

Ontem, (quarta-feira 02/04) circulou na imprensa dando conta que por força de decisão judicial, “uma mulher grávida de 42 semanas fosse submetida a uma cesariana contra a sua vontade, por considerar que mãe e bebê corriam risco de morte”.

Na consulta que precedeu o fato, a médica comunicou à gestante da necessidade de se fazer em caráter de urgência uma cesariana no sentido de preservar o bem-estar dela e do nascituro.

A futura mamãe reagiu negativamente e, após assinar um Termo de Responsabilidade deixou o hospital sem se submeter ao procedimento indicado pela profissional médica fato que, a médica inconformada com a gravidade e do risco para ambas, acionou o Ministério Público em que após acionada a justiça, o juiz ordenou que se fizesse o necessário.

A denominada “alta a pedido” – não obstante inexistir essa prática – se faz quando o paciente assina o Termo.

A “alta” quem concede é somente o médico que, ato contínuo, exime o mesmo de qualquer dissabor futuro desde que, devidamente registrado no prontuário e certificado ao paciente os riscos que aquela decisão poderá acarretar.


Notadamente, essa não é uma decisão recorrente nos tribunais gerando assim, uma grande repercussão desde entre os doutos da lei, até os que nada entendem da matéria e como de praxe, insistem em emitir sua opinião seja ela correta ou não.
            Na linha da presente explanação, o CEM - Código de Ética Médica/2010 - trata com muita seriedade a relação com pacientes e familiares e a responsabilidade do profissional médico.

O fato em voga nos remete ao Capítulo III – Responsabilidade Profissional – É vedado ao médico - artigo 1º do CEM: “Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência” [...]

Importante salientar que, toda e qualquer infração ética oferecida pelo profissional médico deságua necessariamente no artigo retro elencado uma vez que, resume-se em apenas 03 substantivos cuja abrangência se faz quase infinita o que, certamente dificulta em muito para os julgadores da Justiça Comum, do Conselho da Classe e para os advogados, quando do exercício profissional defender ou acusar, fundamentado numa norma que cita ações de tão distintas atribuições num só artigo.

Preconiza-se no Capítulo IV - Direitos Humanos - É vedado ao médico – art. 24 do CEM: “Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”. (grifamos)

A norma é clara ao atribuir a autonomia ao paciente porém, esse respeito à autonomia não deve ser absoluta. A Ciência Jurídica não trabalha com a figura do absolutismo. A autonomia do paciente deve estar pautada sob ótica da Bioética no princípio da beneficência, passando ao largo da maleficência.

A autonomia do paciente nesse particular, não pode ser tratada apenas aos olhos da figura personalíssima da gestante e sim, sobre a vida de outrem que vem a ser o nascituro.

Portanto, a médica ao acionar o Ministério Público o fez, fundamentado na negativa injustificável da gestante e no sentido de preservar a saúde, a dignidade e bem-estar dos dois. Gestante e nascituro.

A orientação médica foi explicitada baseada em análise técnico-científica e, em discordando a paciente, deveria procurar uma segunda opinião para se inteirar da suposta ou possível nova conduta.

Essa atitude da segunda opinião é um direito do paciente e elencada no Capítulo VII – Relação entre Médicos - É vedado ao médico – art. 54 do CEM: “Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico de paciente, desde que autorizado por este ou por seu representante legal”.

Entretanto, certa a profissional médica da irredutibilidade da negativa da gestante, restou a iniciativa de amparo jurídico no sentido de proteger o nascituro e a gestante.

Como salienta Barros Júnior, “ uma vez perdida a capacidade racional, a autonomia cede espaço face à beneficência e não à maleficência, justamente para combater aquele risco de vida”.

A investida jurídica da profissional médica e do Ministério Público poderiam não ter sido exitosa caso não houvesse um segundo envolvido na questão. O nascituro.

Assim, provavelmente, fundamentado na autonomia da paciente e em não estando a mesma gestante, o Ministério Público não submeteria o caso ao Tribunal sobretudo, à luz da assinatura do Termo de Responsabilidade chancelado pela paciente respeitando assim, sua autonomia individual. 

Porém, não obstante a iniciativa louvável, a médica poderia ter criado um monstro próprio se por ventura ocorresse uma intercorrência no procedimento cirúrgico que desencadeasse em algum dano para os envolvidos.  
A rigor, numa linguagem universalizada, a responsabilidade profissional do médico se safa, no momento em que a paciente assina o Termo de Responsabilidade e foi para sua casa, sendo o Termo devidamente anexado ao prontuário.

Poderia ela – a médica - adotar a máxima  Pilatiana, lavando as mãos e afirmar: o filho é seu, o azar é seu.

Não obstante os riscos inerentes a que a profissional médica poderia estar submetida, sua iniciativa foi correta e responsável ao observar que o nascituro não tem voz nem poder de decisão assim, a profissional médica por intermédio de uma atitude embasada na legalidade falou por ele.

Finalizando, não obstante a universalidade do artigo primeiro do CEM, a profissional médica agiu com perícia, prudência e não negligenciou.

Também agiu com benignidade, humanidade, lhaneza, gentileza, benevolência, amabilidade, acatamento, responsabilidade e ... risco para si, cujo o caráter de sua decisão relevou.

Texto: João Bosco 

Artigo publicado no jornal Diário da Manhã , Goiânia/GO – Edição 9.679/03 – 03 de abril de 2014

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