Ontem, (quarta-feira 02/04) circulou
na imprensa dando conta que por força de decisão judicial, “uma mulher grávida
de 42 semanas fosse submetida a uma cesariana contra a sua vontade, por
considerar que mãe e bebê corriam risco de morte”.
Na consulta que precedeu o
fato, a médica comunicou à gestante da necessidade de se fazer em caráter de
urgência uma cesariana no sentido de preservar o bem-estar dela e do nascituro.
A futura mamãe reagiu
negativamente e, após assinar um Termo de Responsabilidade deixou o hospital
sem se submeter ao procedimento indicado pela profissional médica fato que, a
médica inconformada com a gravidade e do risco para ambas, acionou o Ministério
Público em que após acionada a justiça, o juiz ordenou que se fizesse o
necessário.
A denominada “alta a pedido”
– não obstante inexistir essa prática – se faz quando o paciente assina o Termo.
A “alta” quem concede é somente
o médico que, ato contínuo, exime o mesmo de qualquer dissabor futuro desde
que, devidamente registrado no prontuário e certificado ao paciente os riscos
que aquela decisão poderá acarretar.
Notadamente, essa não é uma
decisão recorrente nos tribunais gerando assim, uma grande repercussão desde entre
os doutos da lei, até os que nada entendem da matéria e como de praxe, insistem
em emitir sua opinião seja ela correta ou não.
Na linha da presente explanação,
o CEM - Código de Ética Médica/2010 - trata com muita seriedade a relação com
pacientes e familiares e a responsabilidade do profissional médico.
O fato em voga nos remete ao
Capítulo III – Responsabilidade Profissional – É vedado ao médico - artigo 1º
do CEM: “Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como
imperícia, imprudência ou negligência” [...]
Importante salientar que, toda
e qualquer infração ética oferecida pelo profissional médico deságua
necessariamente no artigo retro elencado uma vez que, resume-se em apenas 03
substantivos cuja abrangência se faz quase infinita o que, certamente dificulta
em muito para os julgadores da Justiça Comum, do Conselho da Classe e para os advogados,
quando do exercício profissional defender ou acusar, fundamentado numa norma
que cita ações de tão distintas atribuições num só artigo.
Preconiza-se no Capítulo IV -
Direitos Humanos - É vedado ao médico – art. 24 do CEM: “Deixar de garantir ao
paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu
bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”. (grifamos)
A norma é clara ao atribuir
a autonomia ao paciente porém, esse respeito à autonomia não deve ser absoluta.
A Ciência Jurídica não trabalha com a figura do absolutismo. A autonomia do
paciente deve estar pautada sob ótica da Bioética no princípio da beneficência,
passando ao largo da maleficência.
A autonomia do paciente
nesse particular, não pode ser tratada apenas aos olhos da figura
personalíssima da gestante e sim, sobre a vida de outrem que vem a ser o
nascituro.
Portanto, a médica ao
acionar o Ministério Público o fez, fundamentado na negativa injustificável da
gestante e no sentido de preservar a saúde, a dignidade e bem-estar dos dois.
Gestante e nascituro.
A orientação médica foi
explicitada baseada em análise técnico-científica e, em discordando a paciente,
deveria procurar uma segunda opinião
para se inteirar da suposta ou possível nova conduta.
Essa atitude da segunda opinião é um direito do paciente
e elencada no Capítulo VII – Relação entre Médicos - É vedado ao médico – art.
54 do CEM: “Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro
clínico de paciente, desde que autorizado por este ou por seu representante
legal”.
Entretanto, certa a
profissional médica da irredutibilidade da negativa da gestante, restou a
iniciativa de amparo jurídico no sentido de proteger o nascituro e a gestante.
Como salienta Barros Júnior,
“ uma vez perdida a capacidade racional, a autonomia cede espaço face à
beneficência e não à maleficência, justamente para combater aquele risco de
vida”.
A investida jurídica da
profissional médica e do Ministério Público poderiam não ter sido exitosa caso
não houvesse um segundo envolvido na questão. O nascituro.
Assim, provavelmente,
fundamentado na autonomia da paciente e em não estando a mesma gestante, o
Ministério Público não submeteria o caso ao Tribunal sobretudo, à luz da
assinatura do Termo de Responsabilidade chancelado pela paciente respeitando
assim, sua autonomia individual.
Porém, não obstante a
iniciativa louvável, a médica poderia ter criado um monstro próprio se por
ventura ocorresse uma intercorrência no procedimento cirúrgico que
desencadeasse em algum dano para os envolvidos.
A rigor, numa linguagem
universalizada, a responsabilidade profissional do médico se safa, no momento
em que a paciente assina o Termo de Responsabilidade e foi para sua casa, sendo
o Termo devidamente anexado ao prontuário.
Poderia ela – a médica - adotar
a máxima Pilatiana, lavando as mãos e afirmar: o filho é seu, o azar é seu.
Não obstante os riscos
inerentes a que a profissional médica poderia estar submetida, sua iniciativa
foi correta e responsável ao observar que o
nascituro não tem voz nem poder de decisão assim, a profissional médica por
intermédio de uma atitude embasada na legalidade falou por ele.
Finalizando, não obstante a
universalidade do artigo primeiro do CEM, a profissional médica agiu com
perícia, prudência e não negligenciou.
Também agiu com benignidade,
humanidade, lhaneza, gentileza, benevolência, amabilidade, acatamento,
responsabilidade e ... risco para si, cujo o caráter de sua decisão relevou.
Texto: João Bosco
Artigo publicado no jornal Diário da Manhã , Goiânia/GO – Edição
9.679/03 – 03 de abril de 2014
Curta e partilhe no Facebook
Sem comentários:
Enviar um comentário