Especialistas
em saúde da família colocam em dúvida a segurança e a eficácia.
Em
março, vacina que protege contra câncer de colo de útero será ofertada pelo governo
a meninas de 11 a 13 anos.
A
quase um mês do início da vacinação de meninas contra o vírus HPV em escolas e
postos de saúde, um grupo de ao menos 28
médicos de saúde da família se diz contrário à imunização, gerando conflito
com outras especialidades médicas.
Eles
levantam dúvidas sobre a segurança da vacina e dizem que faltam evidências científicas de que ela vá mesmo proteger a mulher
contra o câncer de colo de útero.
O
Ministério da Saúde e três sociedades médicas (pediatria, ginecologia e de
imunização) rebatem as críticas e garantem que a imunização é eficaz e segura.
A
vacina, que será ofertada a partir de 10 de março a meninas de 11 a 13 anos, é
recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
Estudos clínicos feitos até
o momento
demonstram que ela é eficaz contra verrugas e lesões genitais causadas pelo
HPV.
O
vírus (tipos 16 e 18) está relacionado a 70% dos casos de câncer uterino.
"O câncer de colo mata, mas a vacina não
demonstrou até o momento que evitará essas mortes. Ela previne as verrugas e
lesões no colo do útero, que não matam. A maioria absoluta delas regride",
afirma o médico de família Gustavo Guzzo, professor de clínica geral da USP.
As
lesões com chances de evoluir para câncer podem ser detectadas em exame
papanicolaou, que deveria ser mais abrangente e eficiente no país, diz Rodrigo
Lima, médico de família em Recife (PE).
"A
vacina e o papanicolaou são estratégias
complementares, não excludentes.
A
grande maioria das mulheres, independentemente do nível socioeconômico, não tem
organização para fazer exames rotineiros de papanicolaou", rebate o médico
Gabriel Oselka, da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Para
ele, o efeito da vacina na redução dos casos de câncer e na mortalidade
ocorrerá a longo prazo.
O
tumor é a quarta causa de morte por câncer em mulheres--são 9.000 por ano.
Os
médicos de família também questionam a segurança da vacina.
Em
países como Espanha, EUA e Japão há
relatos de reações graves, como paralisias e mortes. Mas não foi comprovada a
relação desses eventos com a vacina.
Desde agosto, o Japão não
recomenda mais a vacina.
"Só
de imaginar uma filha minha com paralisias causadas por uma vacina dessas,
descarto a ideia rapidinho", diz Lima.
Nilma
Neves, da Febrasgo (federação das
sociedades de ginecologia e obstetrícia), diz que a vacina é segura e que as reações graves podem ter sido apenas
coincidência.
Famílias também divergem
sobre vacina
Parte
das mães consultadas pela reportagem diz que boicotará a imunização; outra
parte apoia a medida do governo.
Mãe
teme que vacina seja vista como autorização para início da vida sexual da sua
filha, de 11 anos.
Não
é só da parte de alguns médicos que o Ministério da Saúde deve enfrentar
resistência na campanha de vacinação contra o HPV.
A
vacina ainda provoca dúvidas entre os pais e alguns dizem que vão se opor à
vacinação de suas filhas.
Na
última semana, a Folha visitou quatro escolas públicas e privadas em São Paulo
e conversou com 20 mães.
Doze
já decidiram que vão autorizar a vacinação, cinco dizem que vão se opor e três
ainda não se decidiram.
A
psicóloga Malu Feitosa, 49, é uma que já bateu o martelo: a filha H, 11, não
será vacinada. A decisão foi amadurecida nos últimos seis anos.
"Quando
ela tinha cinco anos, a médica da clínica de vacinação disse que, aos nove, ela
já deveria tomar a primeira dose da vacina contra o HPV. Fiquei em
choque."
Segundo
ela, no início, o primeiro pensamento foi de que a vacina seria uma espécie de
"autorização" para o início precoce da vida sexual.
Malu
diz que, com tempo, foi conversando com a filha e o marido, e a conclusão foi
de que até os "15, 16 anos, não haverá vacinação".
"A
vida sexual envolve responsabilidade.
A
vacina previne contra o HPV, mas não contra outras doenças sexualmente transmissíveis,
gravidez.
Quando
ela tiver responsabilidade para começar uma vida sexual, ela vai tomar a
vacina. Até lá, vou dar a formação e a educação."
Já
a também psicóloga Alessandra Chohfi, 40, não vê a hora de a campanha começar e
a filha J., 11, ser vacinada contra o HPV. "Se tivesse vacina para todas
as doenças sexualmente transmissível, eu daria todas", afirma.
"Camisinha
estoura, acidentes acontecem, enquanto eu puder proteger minha filha de
qualquer coisa que seja, eu farei isso. Eu não tenho controle sobre as coisas
que podem acontecer com ela."
Alessandra
diz que ainda não conversou a filha sobre a vacina contra o HPV. "Como não
conversei sobre a da caxumba ou da poliomielite."
Ela
diz que a filha só não foi imunizada ainda devido ao alto custo da vacina nas
clínicas privadas.
"Tínhamos
outras prioridades, e isso ficou em segundo plano, até porque a J. ainda é uma
criança. Não cogita nem beijo na boca ainda", diz a mãe de J., que estuda
na rede privada.
Ministério prevê impacto
positivo em até 30 anos
O
secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, afirma
que a vacina contra o HPV terá um impacto da prevenção de mortes que será
observada "daqui a 20, 30 anos".
"É
verdade que falta evidência, mas, por outro lado, é difícil dizer que isso não
vá ocorrer, já que a vacina previne grande parte das infecções causadas pelo
HPV."
Ele
continua. "Esse argumento [dos médicos de família] de que ela não previne
mortalidade não faz sentido.
Se
o HPV é responsável pelo câncer de útero, por que eu devo espera três décadas
para começar a usar a vacina que já pode estar protegendo essas meninas? Não
seria eticamente aceitável."
Outro
benefício da vacinação contra o HPV observada em países que já a adotam há mais
tempo é o chamado "efeito rebanho de imunidade coletiva". "Ela
está reduzindo a prevalência do vírus entre meninos e meninas mais
velhas", diz ele.
Barbosa afirma que não há
nenhum relato comprovado de morte ou de sequelas graves relacionadas à vacina.
Nem no Japão, que deixou de recomendá-la após o
registro de efeitos adversos graves, foi possível comprovar a relação deles com
a imunização, segundo ele.
"Pode
ter sido um lote ou algo que circulou naquele momento da vacinação. Outros
países, com sistemas rigorosos de vigilância, não registraram nada grave",
diz.
Segundo
ele, o desafio é estabelecer uma relação causal entre esses eventos e a vacina.
"Quando
você vacina milhões de pessoas, na semana seguinte, muitas vão parar no
hospital ou até morrer por razões que nada tem a ver com a vacina. Mas é
preciso notificar e investigar cada um desses casos", afirma
IMPACTO
Mauro
Romero Passos, chefe do setor de DST (Doença Sexualmente Transmissíveis) da
Universidade Federal Fluminense, lembra que as doenças causadas por HPV vão
além do câncer de colo e que a vacina terá um grande impacto sobre elas também.
Verrugas
genitais, cânceres de cabeça e pescoço, de vulva, de vagina, de pênis, de ânus
e de esôfago também estão associados ao HPV.
Segundo
Jarbas Barbosa, secretário de vigilância em saúde do ministério, o início exato
da vacinação em cada cidade vai depender do calendário estabelecido localmente.
O
município de São Paulo, por exemplo, ainda não definiu quando e como será a
vacinação, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Barbosa
afirma que o esquema vacinal adotado no país será o "estendido", em
que a segunda dose é dada seis meses após a primeira, e a terceira dose é
aplicada cinco anos após a primeira.
Na
rede privada, a segunda dose é dada dois meses após a primeira.
O
secretário explica que a estratégia brasileira é nova e já adotada por outros
países, como a Suíça, como forma de estender a imunidade.
Fonte: Folha de São Paulo /
Cláudia Collucci
Grifo nosso
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