"Hospital do homem? Eu é que não quero nem
saber de médico.
Minha mulher e minhas filhas viviam me enchendo para ir ao
médico. Fui ano passado. Inventaram que eu tinha diabetes, colesterol alto,
queriam que eu parasse de tomar minha cervejinha, cortasse a minha picanha.
Fazer dieta? Tô fora.
Ontem mesmo tomei uma sopa de ervilha, com costelinha de
porco, paio e bacon."
A frase do taxista Arlindo, 59, a caminho desta
reportagem, foi o prenúncio de histórias de homens que só procuram o médico
pressionados por suas mulheres. "99% dos homens só vão a uma consulta
médica porque a mulher manda e vai junto", diz o sexólogo Ricardo
Cavalcanti, 71, coordenador da área técnica da saúde do homem do Ministério da
Saúde, que prepara uma política nacional de atenção à saúde masculina.
Na sala de espera do Hospital Brigadeiro, no Jardim
Paulista (zona oeste de São Paulo), que desde abril ficou conhecido como
"Hospital do Homem", por ter criado um ambulatório voltado
especialmente para a saúde masculina, outros "arlindos" vão
aparecendo.
Pedro Geraldo Valadão, 66, tem pressão alta,
alteração na próstata e uma hérnia que necessita de cirurgia. Ainda assim, só
foi ao médico "arrastado" pela mulher, como ele mesmo diz. "Se
eu não insisto, ele não vem. E se ele vem sozinho, não fala nada para o médico.
Sou eu que tenho que explicar tudo o que ele tem", antecipa a mulher
Francisca, 63.
Ao seu lado, Valadão sorri, concordando com a
cabeça. "É, eu não gosto mesmo dessas coisas de médico, de hospital. Só
venho porque ela enche o saco...", explica ele, sem conseguir terminar a
frase. "E não toma o remédio que o médico manda, não mede a pressão e come
tudo o que não pode", completa Francisca.
Na cadeira ao lado, acompanhado pela filha Marina,
o motorista de caminhão aposentado Sebastião Júlio, 79, também com problemas na
próstata, tenta explicar por que o homem tem tanta resistência em procurar o
médico: "A gente tem medo de descobrir alguma coisa ruim.
Por isso fugimos
dos médicos enquanto dá."
A três passos dali, dona Luzia, 79, conta que há
pelo menos três décadas acompanha o marido às consultas médicas. "Se a
gente não fica em cima, eles não se cuidam, não vão ao médico, não tomam
remédio", diz ela, casada há 53 anos com o barbeiro aposentado Mascionilio
José de Carvalho, 92.
O marido dá uma risada. "Quando a gente é novo
nem quer saber de pensar em doença, em médico.
Depois, quando envelhece, é só
ladeira abaixo, minha filha.
É duro aceitar a velhice, a doença e as
limitações."E logo muda de assunto lembrando do tempo em que era o
barbeiro mais requisitado da Vila Clementino, na zona sul da capital.
"Faziam fila para cortar o cabelo comigo."
Há dez anos, Carvalho teve
a próstata retirada após diagnóstico de câncer. Hoje, sofre de incontinência
urinária, varizes e glaucoma.
Para o psiquiatra José Carlos Zepellini, a
dificuldade dos homens em ir ao médico e aceitar a doença passa pelo fato de
eles serem superprotegidos e se sentirem onipotentes.
"A simples ameaça de
uma doença o deixa abalado, fragilizado. Ir ao médico com a mulher o deixa mais
seguro, ameniza um pouco o medo, a insegurança."
O urologista Miguel Srougi, professor titular de
urologia da USP, também aposta no sentimento de invulnerabilidade para explicar
a aversão masculina aos médicos.
"Os homens crescem com o conceito da
evolução de que só os fortes sobrevivem e que, para se impor, precisam ter
saúde."
Fonte: Folhaonline / Cláudia
collucci
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