“Não
basta que o médico faça por sua vez quanto deve fazer, se por outro lado não
coincidem ao mesmo objeto, os assistentes e as circunstâncias exteriores
restantes.”
Hipócrates
Direito
Médico. Uma especialidade da Ciência Jurídica que surgiu há poucos anos e,
desde então, se faz cada vez mais presente nas lides estabelecidas, sejam elas
no âmbito ético, administrativo, cível ou penal.
Tal
intento foi mais explorado com o advento da Lei nº 8.078/90, quando os
doutrinadores e posteriormente os julgados se deram conta de que o médico é um
profissional prestador de serviços e, por assim dizer, sujeito às normas e
práticas elencadas no Código de Defesa do Consumidor, enquanto, fundamentado em
princípios humanísticos, o juiz, em regra, aplica o favor victimae.
Essa
concepção desencadeou a nova roupagem sob a ótica estritamente profissional da
relação médico-paciente que se configurava especialmente pelo sigilo,
confiabilidade, afeto e intimidade.
Nota-se
claramente que parcela das ações intentadas suportam um cunho de dano in re ipsa, como se, para a configuração do dano,
não fosse necessária a tríade conduta-nexo de causalidade-dano.
Ademais,
é público e notório que o exercício da Medicina é atividade constantemente
sujeita ao risco. Geralmente, o médico tem alguns poucos minutos para tomar uma
decisão que poderá custar a vida de seu paciente.
Porém,
ao surgimento de indícios de uma má-prática médica ocasionam-se os processos e,
como em qualquer apuração de responsabilidade, eis que se deve provar o nexo de
causalidade e, nesse particular, não há erro sem dano ou agravo à saúde.
Sabe-se
que culpa e responsabilidade não são palavras sinônimas, e que o responsável
nem sempre é o culpado.
Entretanto,
existem algumas situações excludentes que se associam ao dicionário jurídico e
em muito colaboram para o melhor entendimento da responsabilidade civil do
médico.
É
fundamental saber distinguir o sujeito autor real do fato que originou a lesão.
Lesão não é somente aquele instrumento esquecido no interior do organismo. Pode
também ocorrer, em clássico exemplo, em função da má estrutura física
hospitalar ou quando o paciente negligencia no uso da medicação ministrada,
fato que é de difícil comprovação.
No
universo das excludentes, figuram situações em que o médico não consta à tríade
do dano e, portanto, não lhe cabe culpa por determinado resultado.
O
paciente convalescente de um pós-operatório, já instalado em sua residência
junto a seus familiares, resolve, por conta e risco próprios, retirar os pontos
prematuramente. Essa sutura ainda não devidamente cicatrizada é um fator de
risco para a evolução de um quadro de infecção. A mesma pode evoluir a ponto de
se generalizar no organismo e eis que surge o óbito e, como consequência, a
denúncia.
Fato
semelhante, porém com um desencadeamento diferente, talvez menos grave, é
quando o paciente retira o gesso antes do momento aprazado. O osso não
devidamente colado tende a quebrar novamente e poderá, inclusive, ao ser
submetido a esforço, desencadear uma fratura exposta.
Outro
fator a ser considerado é a imponderabilidade biológica que vem a ser a
particularidade orgânica face ao comportamento de cada organismo humano,
afinal, o corpo humano não é uma Ciência Exata e, por sua vez, suas
características e reações nem sempre se assemelham. Não raro, a administração
de um fármaco evolui satisfatoriamente em um organismo e causa efeito colateral
em outro.
Ocorre,
por vezes, ainda, em determinadas patologias ou procedimentos, que o paciente
convalescente deve seguir uma dieta estabelecida pelo médico, com o devido
acompanhamento de nutricionista, o que o mesmo descumpre. Situação esta é
observada em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Eis que surgem as
consequências não planejadas e jamais esperadas.
Caso
frequente afeito à cirurgia: a quelóide, uma reação adversa na cicatriz após a
incisão, poderá se desenvolver em função da peculiaridade da pele do paciente.
Ao suturar a pele, a mesma muda temporariamente de cor e, para reaver a
coloração natural, demanda algo em torno de 12 a 18 meses. A qualidade do
acabamento da incisão também depende da característica da pele de cada
paciente.
Urge
ainda listar a predisposição genética, a anomalia anatômica, a debilidade orgânica
e os efeitos secundários dos fármacos. Importantíssimo elencar o vínculo
laboral do possível dano entre o estabelecimento de saúde e o agente.
A
responsabilidade pelo fato da coisa, nesse particular, como exemplo, ocorre
quando o equipamento hospitalar utilizado pelo médico pertence ao hospital. O
dono da coisa é responsabilizado caso ocorra uma pane e cause dano ao paciente.
Todas
as situações ora relatadas dão causa a um emaranhado de ações judicias ou à
iniciativa de Processo Ético Profissional nos Conselhos Regionais de Medicina,
nos quais, no mínimo, o médico tem que se submeter a uma primeira verificação,
que vem a ser a resposta fundamentada da denúncia, por via de uma Sindicância.
A
resposta não satisfatória à arguição da Sindicância junto ao Conselho Regional
de Medicina resulta em abertura do Processo Ético Profissional e cabe ao
profissional médico provar a sua não culpabilidade.
A
defesa sempre deve estar acompanhada de uma prova técnica correta e embasada.
O
prontuário deve ser minuciosamente preenchido, relatando todas as ocorrências e
intercorrências que advirem do tratamento e da conduta médica, e essa boa
prática caracteriza o Direito preventivo. O prontuário é um documento médico
dotado de duas extremas vertentes. Pode de pronto inocentar ou, com o
desencadear do processo, apenar o profissional médico.
O
patrocinador da causa deve ter em mente que a Medicina é uma Ciência das
verdades transitórias. Uma infinidade de denúncias de má-prática com relação ao
médico são a cada dia formalizadas, fundamentadas em brilhantes diagnósticos
baseados em observações mal feitas.
Ressalta-se,
entretanto, que a atribuição precoce, premeditada e imediata de culpa com
relação à má-prática do profissional médico deve ser acautelada.
Conclui-se, porém, que cabe ao causídico se compenetrar,
desprover-se da ideia de que a Medicina é uma instituição longe do alcance dos
seres humanos, se ater aos fatos, às provas e se municiar dos argumentos que
realmente importam a uma defesa exitosa, especialmente, se couberem, os ora
relatados.
Autor: João Bosco
Fonte: Reprodução de artigo publicado em 15-04-2013, edição nº 390,
pág. 35 da revista jurídica Consulex.
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