O
paciente que desiste da vida, preferindo morrer a se submeter à cirurgia, tem a
sua autonomia da vontade reconhecida na Resolução1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina.
Esta
manifestação, chamada pela norma de Testamento Vital, diz que não se justifica prolongar um
sofrimento desnecessário em detrimento da qualidade de vida do ser humano.
O
entendimento levou a 1ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a confirmar decisão que garantiu a um idoso o direito de não se
submeter à amputação do pé esquerdo,
que viria a salvar sua vida.
Assim
como o juízo de origem, o colegiado entendeu que o Estado não pode proceder contra a vontade do paciente, como pediu
o Ministério Público, mesmo com o propósito de salvar sua vida.
Além da Resolução do CFM, o relator da Apelação, desembargador Irineu Mariani, afirmou
no acórdão que o direito de morrer com dignidade e sem a interferência da
ciência (conhecida como ortotanásia) tem previsão constitucional e
infraconstitucional.
Explicou que o direito à vida, garantido pelo artigo
5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade humana, previsto no
artigo 2º, inciso III, ambos da Constituição Federal. Isto é, vida com dignidade
ou razoável qualidade.
Entretanto, em relação ao seu titular, o direito à
vida não é absoluto, pois não existe obrigação constitucional de viver.
Afinal,
nem mesmo o Código Penal criminaliza a tentativa de suicídio.
No
âmbito infraconstitucional, Mariani citou as disposições do artigo 15 de Código
Civil: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica’’.
‘‘Nessa
ordem de ideias, a Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida,
razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter à
cirurgia ou tratamento’’, concluiu, sem deixar de considerar que o trauma da
amputação pode causar sofrimento moral.
O *acórdão foi lavrado na sessão dia 20 de novembro.
Álvará judicial
O
Ministério Público ingressou na
Justiça estadual com pedido de Alvará
Judicial para suprimento da vontade do idoso e ex-portador de hanseníase
(lepra) João Carlos Ferreira, que mora no Hospital Colônia Itapuã (HCI),
localizado em Viamão, município vizinho a Porto Alegre.
Diagnosticado
com necrose no pé esquerdo desde 2011 e em franco definhamento, ele vem
recusando a amputação, cirurgia que poderia salvar a sua vida.
Se
não o fizer, corre o risco de morrer por infecção generalizada.
O
idoso, de 79 anos, não apresenta sinais de demência, mas foi diagnosticado com
quadro de depressão.
Conforme
o laudo da psicóloga que o atende, ‘‘o paciente está desistindo da própria vida
vendo a morte como alívio do sofrimento”.
Assim, segundo o MP, o paciente estaria sem condições psíquicas de recusar o
procedimento cirúrgico.
Em síntese, a prevalência do direito à vida
justifica contrapor-se ao desejo do paciente.
O
juízo da Comarca de Viamão indeferiu o pedido de amputação, negando a concessão
do Alvará.
Argumentou
que o paciente é pessoa capaz, tendo livre escolha para agir e, provavelmente,
consciência das eventuais consequências.
Assim,
não cabe ao Estado tal interferência, ainda que porventura possa vir a falecer.
Desta
decisão é que resultou recurso de **Apelação ao TJ-RS.
*Acordão:
Decisão dada em um processo ou recurso, por um colegiado de juízes,
desembargadores ou Ministros, em 2ª instância ou Tribunais superiores.
**Apelação: É uma espécie de recurso interposta contra sentença proferida por
juiz de primeiro grau, buscando a sua reforma ou invalidação.
Grifo nosso
Fonte: Consultor Jurídico /
Jomar Martins
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