Curso
de Medicina Alternativa sem reconhecimento da Secretaria ou
Ministério da Educação atenta não apenas contra a classe dos médicos, regulados
e fiscalizados pelo seu conselho profissional, mas também viola a legislação
consumerista, por iludir a boa-fé do consumidor.
O entendimento, da 6ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fulminou a oferta de um curso de Medicina tradicional ministrado em
Porto Alegre por entidades e ONGs. A decisão restabeleceu a liminar que
sustou o curso.
Ao contrário da sentença
proferida na primeira instância, o colegiado entendeu que a propaganda do curso
— oferecido na modalidade semipresencial
— induzia o consumidor a erro, já que dá a qualquer pessoa que tenha concluído
o curso médio a chance de formar-se ‘‘médico’’.
Para o relator da Apelação
na corte, desembargador Artur Arnildo Ludwig, a promotora do curso não cumpriu
com os deveres de lealdade e boa-fé, pois a publicidade "é dotada de caráter
obrigacional pré-contratual, tornando-se um negócio jurídico unilateral,
vinculante, que integra o contrato, e por tal razão deve ser atendida".
Ludwig disse que a proteção
contra a publicidade enganosa está prevista no artigo 6º, inciso IV; e no artigo
37, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). ‘‘A
vulnerabilidade é qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e
indissociável de todos que se colocam na posição de consumidor, em face do
conceito legal, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica’’,
complementou.
O relator observou, em seu
voto, que algumas das terapias alternativas oferecidas pelo curso já foram
reconhecidas como atividade médica — como a acupuntura. ‘‘Portanto, o seu
exercício é privativo dos médicos formados e inscritos no órgão profissional’’,
definiu. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 20 de junho.
O
caso
O Sindicato Médico do Rio
Grande do Sul (Simers) ajuizou Ação Civil Pública contra os promotores do ‘‘Curso Livre de Qualificação Profissional
em Medicina Tradicional com Ênfase na Área Ambiental”, cuja finalidade era
formar “médico tradicional ambientalista” na modalidade semipresencial.
O curso estava sendo oferecido a qualquer interessado que
tivesse o diploma do curso médio. Os réus arrolados na ação são a Escola
Superior de Ciências Tradicionais e Ambientais (Escam); a Organização de Apoio
Sócio-Cultural e Ambiental do Brasil (Oasab); a Clínica Ser Saúde; e o Hospital
Divina Providência — que mais tarde ficou de fora do polo passivo.
O autor argumentou que as
entidades rés não têm credenciais do Ministério da Educação, nem possuem
autorização para lecionar em qualquer nível do conhecimento. Logo, não podem
supervisionar leigos na busca da formação profissional.
Ademais, no atendimento a
pacientes, os formados não poderiam se intitular médicos, já que não seriam
registrados no conselho profissional.
Em face das irregularidades,
o Simers pediu e conseguiu, em caráter liminar, a suspensão imediata do
funcionamento e das inscrições do curso; e a proibição do uso das expressões
‘‘médico’’ e ‘‘Medicina’’ no material promocional.
Atividades
terapêuticas
Em juízo, a Escam alegou que
ministra cursos livres no âmbito das terapias alternativas, possui proposta
curricular e pedagógica própria e não se apresenta ao público como entidade de
ensino superior. Isso explica por que seus cursos não têm registro no
Ministério da Educação, nem necessitam de reconhecimento ou autorização do
Conselho de Educação para funcionarem.
A entidade afirmou,
entretanto, que já encaminhou pedido de credenciamento ao Ministério da
Educação para se tornar uma IES – Instituição de Ensino Superior. Enquanto o
pedido não é deferido, segue oferecendo ‘‘cursos livres’’.
A
Clínica Ser Saúde explicou que desenvolve atividades terapêuticas e, portanto,
não-médicas. Os sócios,
igualmente, não são médicos. Logo, ambos não podem sofrer a fiscalização do
conselho profissional da categoria.
O Oasab, por sua vez,
discorreu sobre suas finalidades sociais, na mesma linha argumentativa da
Escola. Mencionou, ainda, a classificação brasileira de ocupações do Ministério
do Trabalho e Emprego e a inexistência de outras leis brasileiras que impeçam
as atividades do curso ministrado.
A
sentença
O juiz de Direito Flávio
Mendes Rabello, titular da 16ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, discorreu
sobre a legalidade da Portaria 971/2006, do
Ministério da Saúde, que aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC).
Esta autoriza não-médicos a
exercer a atividade de acupuntura, bem como a instituição de práticas
terapêuticas que carecem de comprovação científica, tais como a fitoterapia
(uso medicinal de plantas), crenoterapia (indicação e uso de águas minerais com
finalidade terapêutica) e o termalismo social (diferentes maneiras de uso da
água mineral em tratamentos de saúde).
Rabello explicou, na
sentença, que a norma vai ao encontro do que dispõe o artigo 196 da
Constituição Federal, que trata do dever do Estado para a promoção da saúde da
população.
A Portaria, na verdade, não legisla sobre o exercício profissional,
mas estabelece condições de caráter genérico com o intuito de incentivar os
órgãos e entidades do Ministério da Saúde a promoverem programas e projetos
nesta área.
Para o julgador, não há
qualquer ilegalidade na oferta dos cursos livres, bem como na emissão de
certificado após o estágio supervisionado diretamente com a população, pois não
se trata de atividade exclusiva dos médicos, não configurando, via de
consequência, exercício ilegal da profissão.
‘‘De outra banda, também não
se extrai qualquer divulgação distorcida de oferta publicitária praticada pelas
rés, na medida em que os anúncios são claros em levar ao público a informação
de que o serviço prestado trata-se de medicina tradicional (...).
Ou seja, não
há qualquer propaganda enganosa sobre informações distorcidas a respeito do
serviço educacional prestado, inexistindo afronta ao que dispõe o artigo 31 do
Código de Defesa do Consumidor’’, concluiu, julgando a ação improcedente e revogando
a liminar.
Grifo nosso
Fonte: Consultor Jurídico / Jomar Martins
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