Após
estudar canabidiol no exterior, profissional que atende em uma grande capital
do País trouxe sementes e aprimorou medicamento
BRASÍLIA
- O consultório com pacientes aboletados na antessala e uma secretária a
conferir cartões de planos de saúde são cenas cotidianas na vida de William
(nome fictício), um médico que há três anos protagoniza uma história
clandestina de desafio à lei para trazer alívio a pessoas que, por causa de
fortes dores, mal dormem ou trabalham.
Enquanto
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não decide o destino do
canabidiol, componente da maconha que integra a lista de substâncias proscritas
do País, William prepara artesanalmente
uma solução feita com o produto e a distribui gratuitamente para pacientes que
não conseguem bons resultados com tratamentos tradicionais, sejam cirurgias ou
medicamentos.
“Não
foi fácil chegar a essa decisão”, conta.
“No
início, achava que a proposta de terapia com o canabidiol era apenas uma
estratégia dos interessados em liberar a maconha: seria apenas o primeiro
passo”, completa.
Após
analisar os estudos e diante do sofrimento de pacientes, narra, mudou de ideia.
O
Estado localizou o médico por meio de familiares de pessoas que sofrem de dores
crônicas e o entrevistou por três horas em seu consultório, em um prédio
comercial, no centro de uma grande capital.
Por temer sanções da
Justiça, o médico pediu que não fosse identificado.
O
canabidiol não tem efeito psicoativo e é apontado em estudos como alternativa
também para tratamentos neurológicos, comportamentais, epilepsia grave e sintomas
causados pela quimioterapia.
Há
espécies de plantas com menos de 1% de THC (a substância com efeitos
psicotrópicos) e altos teores de canabidiol.
O
médico escolheu uma espécie com essas características, a Harle Tsu, para usar.
No
retorno de uma viagem ao exterior feita para estudar o canabidiol, ele trouxe sementes e as plantou em casa.
Hoje,
William extrai a substância ativa da planta, processa e, em uma terceira etapa,
acrescenta glicerina.
A
primeira pessoa a usar a solução de canabidiol preparada foi a sogra.
“As
fortes dores, provocadas por fibromialgia, foram controladas”, relata.
Desde
então, 40 pacientes já se trataram com canabidiol.
Desse
grupo, 20 mantiveram a prática. “Por diversas razões, como insegurança ou
intolerância, as outras pessoas abandonaram.”
O
médico oferece o medicamento a poucos pacientes. “Apenas para quem não responde
a outras terapias e com quem tenho uma relação de confiança”, diz. Com o tempo,
o cultivo da planta foi passado para amigos. “É preciso dedicação, tempo. Não
conseguia conciliar.”
William
nota que a solução causa efeitos
colaterais, como dores de cabeça, náuseas ou diarreia, em algumas pessoas.
Para
tentar reduzir o problema, passou a dar
a alguns pacientes o canabidiol para vaporização.
A
troca beneficiou Antonio, de 57 anos, licenciado por causa de uma doença
degenerativa que atinge ossos e articulações.
Por
seis meses, ele usou a solução combinada com um derivado de morfina, que,
sozinho, não aliviava as dores. “Ficava agitado, com dor de cabeça e
dificuldade para dormir.” Agora, faz vaporizações. “O alívio é imediato. É um
sucesso e tanto.”[...]
[...]
A Anvisa analisa a mudança de classificação do produto.
Seu
uso e comercialização poderiam ser feitos sob controle.
A
discussão começou após familiares de crianças com epilepsia grave reivindicarem
o direito de importar o produto.
Nos
EUA, o canabidiol é vendido como suplemento alimentar.
O
relator do processo, Renato Porto, é contra a mudança. Diz que não há
canabidiol puro - todos teriam algum traço de THC.
Grifo nosso
Título original: Médico desafia lei e dá derivado de
maconha a pacientes
Fonte: Jornal O Estado de
São Paulo / Lígia Formenti
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